23 de março de 2011

Um novo modelo científico para o Brasil

 Folha de S. Paulo |


ANDREW SIMPSON

O pagamento de longo prazo de salários a cientistas feito por fundos públicos vai exigir mudanças legais, mas creio que o esforço valeria a pena 

A pesquisa científica é crucial para o desenvolvimento e a prosperidade de longo prazo.
O Brasil vem elevando constantemente seus investimentos em ciência, fato que resultou em uma comunidade científica nacional que cresce em dimensões e produtividade. Mas ela ainda não é rotineiramente competitiva nos níveis mais altos, o que limita sua participação em inovações economicamente relevantes.
Não há razões para que isso não possa ser retificado, mas para isso será necessária uma reorganização do modelo científico do Brasil.
Como diretor científico de um instituto global de pesquisas, tenho tido a oportunidade de comparar a eficácia dos modelos científicos usados por diferentes países. Estou convencido de que a ciência é mais bem organizada como uma meritocracia dinâmica que empodera o cientista individual.
Isso geralmente se consegue quando a maior parte dos recursos disponíveis é canalizada por cientistas individuais, empregando um processo que requer renovação em intervalos regulares, baseada em revisão por pares. Os custos da pesquisa científica, o salário do cientista principal e os recursos para cobrir custos indiretos incorridos pela instituição anfitriã são todos pagos diretamente ao cientista.
Os salários precisam ser competitivos em comparação com os de outras profissões, de modo a atrair as melhores cabeças, e precisam ser de mais longo prazo do que mero apoio a projetos individuais, para encorajar a tomada de riscos e garantir alguma segurança.
Em última análise, contudo, os salários pagos devem depender da produtividade contínua com pesquisas. Todas as verbas para pesquisa devem ser portáteis, gerando competição entre instituições, e os custos gerais podem representar até 50% do financiamento total. O nível das verbas deve ser significativo, com cientistas de mais alto nível comandando recursos de US$ 1 milhão por ano ou mais.
Um sistema desse tipo poderia aumentar em pouco tempo o número e a diversidade dos estabelecimentos de pesquisa. Nos Estados Unidos, entidades privadas ou públicas levantam fundos para construir instalações de pesquisa de primeiro nível e oferecer a cientistas de talento fundos iniciais para se estabelecerem nessas instituições.
Então, os cientistas ganham um prazo de três a cinco anos para começar a atrair fundos para sustentar a si mesmos e à instituição.
Aqueles que não o fazem acabarão por perder suas posições.
É fato notório que, nos EUA, muitas das universidades mais bem-sucedidas no campo da pesquisa, como Harvard, Yale e Stanford, são instituições privadas. Não vejo razão pela qual instituições igualmente prestigiosas não possam se desenvolver no Brasil.
O pagamento de longo prazo de salários a cientistas feito diretamente por fundos públicos vai exigir mudanças legais. Acredito, não obstante, que o esforço valeria a pena. O Brasil já possui elementos básicos que poderiam se converter no tipo de sistema acima exposto.
A Fapesp já paga "reserva técnica institucional", concretamente um valor de 10% destinado a custos gerais, sobre a maioria dos tipos de dotações. Ela também criou o programa Jovem Pesquisador, que oferece salários diretos e apoio de pesquisa a jovens cientistas.
O CNPq paga uma bolsa de produtividade que representa um salário pequeno, porém direto, a cientistas em processo de qualificação.
A reorganização não é panaceia.
Acredito que uma mudança fundamental no modo como a pesquisa científica é organizada e financiada facilitaria em muito a transição do Brasil em líder inovador; o país tem o talento para sê-lo e tem a necessidade de longo prazo de se tornar.
Tradução de CLARA ALLAIN.
ANDREW SIMPSON é diretor de pesquisas do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de Nova York. Foi um dos responsáveis pelo Projeto Genoma Xylella, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

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