14 de março de 2011

A reboque da mudança energética

Folha de Sao Paulo e The York Times


São Paulo, BR - segunda-feira, 14 de março de 2011

ROGER COHEN 
Para os europeus, conservação virou um reflexo LONDRES
Viajar de Copenhague a Nova York é navegar de um extremo ao outro no espectro do uso da energia. Você deixa uma cidade europeia, que se aquece queimando seu próprio lixo, e chega a uma cidade americana, que faz do desperdício um negócio.
Não me entenda mal, eu sei onde eu prefiro viver, mas o fracasso americano em reagir à grande mudança energética nesta primeira metade de século representa um gesto de obstinação autodestrutiva.
Nessa mudança, há uma oportunidade, mas os EUA ficaram parados. Já os dinamarqueses dispararam na liderança.
Copenhague possui uma das mais avançadas fábricas do mundo para a conversão de resíduos em energia, a Vestforbraending.
Tomas Anker Christensen, diplomata dinamarquês envolvido em questões energéticas, disse que, até 2025, a cidade vai se livrar inteiramente dos combustíveis.
O vento, a biomassa e a incineração de resíduos terão papel importante.
As exportações dinamarquesas que mais crescem estão no setor da "tecnologia limpa" -novas tecnologias que melhoram a eficiência energética de edifícios, reduzem a perda no transporte de energia e transformam resíduos em uma fonte de energia.
Onde está a América nessa enorme oportunidade global de negócios?
Atrás dos europeus e até dos chineses, atada a discussões estéreis sobre a mudança climática e a rixas culturais em que o direitista Tea Party retrata o transporte de massas como algo antiamericano. Não é à toa que o "Perfura, menina, perfura" foi o mais memorável slogan da campanha republicana de 2008.
Há uma América delirante que acredita que o petróleo é tão inesgotável quanto o poder americano. Só que ambos são finitos.
A alteração em curso no poder global vai se acelerar se a dependência americana por petróleo não for contida. O último sobressalto nos preços, por causa da Líbia, é um lembrete de como os EUA estão vulneráveis por causa dessa dependência.
Passei um bom tempo fora de Nova York, então fiquei chocado com todos os prédios de escritórios iluminados à noite, as filas de limusines paradas na Park Avenue, as sacolas plásticas usadas para embalar de tudo, e a calefação nos edifícios, com a mesma intensidade com que no verão o ar-condicionado transforma saguões dos hotéis em freezers gigantes.
É fácil ver por que os americanos consomem o dobro de energia per capita que os japoneses ou por que uma nação usa cerca de um quarto da energia mundial, embora tenha só 5% da população. Na mentalidade europeia, a ideia de conservação energética já se tornou um reflexo. A mentalidade americana vive em um mundo ilusório de abundância.
Christensen, o diplomata, acabava de voltar de uma viagem em que convidou sul-coreanos para que testassem carros movidos a hidrogênio na Dinamarca.
Os chineses vão testar carros elétricos. A Dinamarca já está muito avançada na pesquisa sobre como funcionaria o reabastecimento dos carros elétricos, que seria feito com uma rede inteligente de turbinas eólicas, principalmente à noite (quando há mais vento e menor demanda energética).
A Comissão para Políticas das Alterações Climáticas da Dinamarca acaba de concluir que "é realista supor que a transição para um sistema energético independente de combustíveis fósseis pode ser alcançado até 2050". Dependência zero de petróleo ou carvão até 2050! Eu sei, a Dinamarca é um país pequeno. Os EUA não vão cumprir metas tão ambiciosas.
Mas Obama deve definir algumas metas rigorosas para reduzir a dependência em relação a combustíveis fósseis.
Mais importante, precisa engendrar uma mudança cultural que faça a eficiência energética ser vista como uma possível máquina de gerar empregos, e não como um ataque ao sonho americano iniciado pela posse do carro. Uma política fiscal inteligente pode começar a incentivar a inovação e a redução do consumo de gasolina.
Uma parte da América ficou parada em 1990, tagarelando sobre o "excepcionalismo" americano, mas a realidade é simples: em um planeta de recursos limitados, com mais de 7 bilhões de pessoas, nenhuma nação pode estar isenta da necessidade de inventar e criar energia.

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