26 de março de 2011
"O que dizer de uma sociedade que convive pacatamente com esse extermínio?"
Quase três mortes de adolescentes ou jovens, por dia, em 2010. Não, esses dados não são de nenhum país em guerra no Oriente Médio nem de uma nação africana em situação de miséria. Esses dados são do Ceará! Um verdadeiro genocídio juvenil aconteceu em nosso Estado, sob as nossas barbas, no ano passado. E o mais grave: não foi muito diferente dos anos anteriores.
Segundo o Mapa da Violência 2011 - Os jovens do Brasil, estudo realizado pelo Ministério da Justiça por meio do Instituto Sangari, divulgado há algumas semanas, vem crescendo nos últimos anos o número de mortes violentas de adolescentes e jovens em no Estado.
A primeira reação que o bom senso indicaria diante destes dados seria uma profunda comoção social. Contudo, lamentavelmente, o sacrifício desses milhares de meninos e meninas vitimados pela tráfico, pela droga, pelo trânsito, enfim, pela torpe exposição à violência, tem passado quase invisível pelos registros diários das ocorrências policiais nos jornais.
Em sua maioria, eles não são de classe média ou alta, não são filhos de autoridades ou empresários, nem parentes ou amigos de quem os lê. Não. São, em geral, pobres, negros, homens em formação e moradores da inóspita periferia das grandes cidades. O que dizer de uma sociedade que convive pacatamente com esse extermínio?
O fato demonstrado pelos números é o abandono de nossa juventude à própria sorte, praticamente sem alternativas para escapar dessa terrível violência. Falta um ambiente salubre para crescer. Faltam oportunidades de acesso à educação de qualidade, à cultura, ao esporte e ao lazer. Falta poder aquisitivo para realizar os sonhos materiais que a TV lhes incute diariamente, mas que só são possíveis aos que tiveram a sorte de terem nascido nas classes sociais mais altas.
Ao invés do acesso a direitos sociais básicos de cidadania, sobra-lhes o risco cada vez mais provável do crack, a socialização por meio da marginalidade das gangues; sobra a violência da polícia e dos bandidos e, como se não bastasse, resta-lhes a apresentação diária nos programas policiais como culpados e não como vítimas deste infortúnio.
É preciso admitir que nossa sociedade está matando esses jovens e que a crônica incapacidade dos poderes públicos em prevenir a violência continuará produzindo mais mortes. Fico pensando no que aconteceria se essas vítimas fossem de famílias que têm algum poder na sociedade. Com certeza, já teria havido uma revolução.
E o que vejo como mais grave é que há uma incurável acomodação, como se as tragédias que revelam estes números não pudessem ser evitadas, como se sua prevenção não dependesse de decisões relativamente simples, como construir e colocar para funcionar escolas de tempo integral onde esses jovens moram. Ou construir quadras e outros equipamentos esportivos associados ao ensino e estímulo à prática desportiva. Ou ainda viabilizar o acesso à arte e à cultura, como os Cucas em Fortaleza.
A única reação digna a esses dados é a mais dura e imediata cobrança aos poderes públicos e o envolvimento de toda sociedade na criação dessas condições básicas de cidadania. E a ação urgente dos Governos, em todos os níveis, para criá-las. Fora disso, dificilmente escaparemos da acusação de autores ou cúmplices de genocídio juvenil.
Guilherme Sampaio
Vereador de Fortaleza (PT)
OPovo, Ceara
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