19 de março de 2011

Leis de comunicação: UNESCO


19 de março de 2011
Unesco | Revista Carta Capital
Regulação a favor da liberdade





Sergio Lirio Modernizar as leis de comunicação é essencial à democracia, diz o coordenador de Informação da Unesco
Na quinta-feira 17, o escritório brasileiro da Unesco lançou três documentos com sugestões para a reforma das leis de comunicação eletrônica no País. Os textos resultam do trabalho de um ano de três renomados consultores, o canadense Toby Mendel, diretor-executivo do Centro de Direito e Democracia, e os britânicos Eve Salomon, da Comissão de Queixas da Imprensa no Reino Unido, e Andrew Puddephatt. Após comparar a defasada legislação nacional àquelas de outras nações, Mendel, Salomon e Puddephatt recolheram as mais bem-sucedidas iniciativas e produziram um conjunto de recomendações. "Em meses, ou anos, o Brasil vai tomar decisões a respeito de suas leis para o setor. Seria salutar observar as diferentes experiências internacionais", afirma Guilherme Canela, coordenador de Informação do escritório brasileiro. "O objetivo é contribuir de forma mais concreta para o debate." Os textos estão disponíveis no site da Unesco (www.unesco.org). A seguir, a entrevista de Canela.
CartaCapital: Por que a Unesco decidiu produzir um caderno de sugestões para uma reforma das leis de comunicação no Brasil?
Guilherme Canela: A Unesco tem, no sistema das Nações Unidas, mandato para discutir esses assuntos desde a sua criação no pós-guerra. Nos anos 2000, produziu-se um material internacional, uma recomendação, para os diferentes países integrantes da organização. Chama-se Indicadores de Desenvolvimento da Mídia. A partir do lançamento, começamos, não só no Brasil, mas em vários países, a tecer pequenas análises internas, informadas aos governos e ao público, sobre os sistemas midiáticos em diferentes nações. Não é de hoje que a Unesco aponta alguns desafios ao sistema brasileiro de mídia. Um deles é o fato de a legislação do setor estar defasada, ser da década de 1960. É um assunto a ser enfrentado pela sociedade.
CC: Por quê?
GC: Tudo mudou dos anos 1960 para cá. As principais, as mais consolidadas democracias do planeta começaram a reformular seus marcos regulatórios a partir da década de 1990. Sobretudo em consequência das mudanças tecnológicas. Os estudos que acabamos de divulgar são uma maneira de oferecer à sociedade brasileira uma contribuição mais concreta do que apenas constatar que a atual legislação é obsoleta. Convidamos dois dos mais importantes especialistas da área, Toby Mendel e Eve Salomon, para produzir esses documentos. Juntos, eles trabalharam com questões regulatórias em mais de 60 países e passaram um ano a estudar a realidade do Brasil. Buscaram fazer uma comparação com diversas leis internacionais. E destacaram não somente as boas experiências, mas as ruins também.
CC: Esse é um debate contaminado no Brasil. Os proprietários de concessão e as grandes redes estão sempre dispostos a gritar censura toda vez que o tema vem à baila. Mas a Unesco tem outro entendimento, não? Que discutir a regulação da mídia é algo vital para a democracia. É isso?
GC: A Unesco acha que a qualquer tempo é legítimo que a sociedade se preocupe com os riscos da censura. Agora, há uma impossibilidade técnica, jurídica e conceitual, na visão das Nações Unidas, de se promoverem garantias e defender a liberdade de expressão, tal qual previsto na legislação internacional, sem uma regulação do sistema de mídia. O debate nos paí­ses onde as instituições são sólidas segue caminho oposto: a regulação de mídia é entendida não como algo para limitar, delimitar ou reduzir a liberdade de expressão, mas para ampliá-la. O artigo 19 dos Declaração dos Direitos Humanos estabelece­ o ­direito de transmitir informação. Mas fala também do direito de buscar e receber informações, opiniões, ideias. Para que esse direito seja garantido em sua plenitude, é necessário uma mídia plural, diversificada, livre e independente.
CC: Quais recomendações da Unesco o senhor destacaria?
GC: A existência de um órgão regulador independente, com orçamento próprio livre de contingenciamento e liberdade em relação ao governo e às empresas do setor. Limites à propriedade cruzada e à concentração de poderes nas mãos de poucos grupos. O estímulo ao fortalecimento de redes verdadeiramente públicas e comunitárias. Não são pontos apenas técnicos.  Quando se regula, por exemplo, a concentração de propriedade isso, em tese, resulta em maior pluralidade de conteúdos. O trabalho recomenda que parte significativa do conteúdo, principalmente jornalístico, esteja sob o manto de um mecanismo de autorregulação. Mas isso não pode representar um vale-tudo. A autorregulação não pode ser cada um continua a fazer tudo do jeito que sempre fez sem prestar contas. É preciso haver regras, que podem ser estabelecidas pelo próprio sistema, mas comunicadas claramente à sociedade. E são necessários meios de a sociedade se manifestar, caso essas regras não sejam cumpridas.
CC: Que papel um sistema público ainda pode desempenhar no Brasil?
GC: É uma incógnita de difícil resposta nesta altura dos acontecimentos. Haveria uma série de dificuldades para se transpor, por exemplo, o sempre citado modelo da BBC para o País. Inclusive não se sabe o que seria possível conseguir em termos de audiência. Ao mesmo tempo, com a entrada em operação da tecnologia digital, e por outros motivos também, ocorre uma reacomodação dos players do setor. Não só no Brasil. Nessas circunstâncias, talvez este momento de transformação seja o ideal para se pensar em um sólido modelo de comunicação pública. Os consultores da Unesco, aliás, fazem uma crítica ao modelo atual de televisão pública no Brasil. O sistema nacional teria muito a ganhar se procurasse incorporar experiências internacionais que buscam independência do governo.
CC: Uma das sugestões dos estudos seria transferir para a agência independente todas as decisões sobre concessões de rádio e tevê que hoje cabem ao Congresso. Por quê?
GC: Os consultores produziram uma análise a partir da observação de variadas leis internacionais. O principal entendimento é que as concessões de radiodifusão não devem estar sob a responsabilidade de órgãos políticos. Não houve nenhuma avaliação sobre o Congresso Brasileiro nem era esse o nosso papel. Essa é uma recomendação para qualquer nação. O melhor é que as concessões não fiquem a cargo de instâncias políticas como o Parlamento ou um ministério.
CC: Uma agência reguladora não vive o risco de ser "capturada" pelo setor privado?
GC: Por melhor que seja o modelo de uma agência, esse risco sempre existe. Por isso é importante procurar um mecanismo eficiente de financiamento dessas agências. Alguns países cobram impostos, outros, taxas sobre os serviços de telecomunicações. Fazer política pública nesta ou em qualquer área não é uma ciência exata. É como diria Churchill: aparentemente, ter uma agência independente é uma situação menos pior do que deixar as decisões nas mãos de órgãos políticos, que são mais instáveis pela própria lógica da democracia. Em meses, ou anos, o Brasil vai discutir mudanças em suas leis para o setor. A Unesco entende que seria salutar observar as diferentes iniciativas internacionais antes de o País tomar sua decisão soberana.

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