11 de março de 2011

Ciência para o Brasil: Alaor Chaves

 

 
Artigo enviado pelo cientista Alaor Chaves* para a redação do Jornal da Ciência.

O vigoroso crescimento da ciência brasileira nas últimas décadas é reconhecido por todos. Mas também se reconhece que nem tudo vai bem em nossa ciência. Por um lado, sabe-se que seu impacto não tem acompanhado o crescimento quantitativo. Por outro, a inserção da nossa ciência na vida do país tem sido muito menor do que a atingida nos países líderes em ciência. Por razões diversas que incluem a gênese da nossa indústria, que não selecionou o gene da inovação, deficiências em nossa política industrial e na formulação de nossa agenda científica, o envolvimento de nossas empresas com inovação é muito aquém do desejado.  No Brasil, o Estado arca com mais da metade das aplicações em P&D. Por causa da pequena aplicação das empresas, em 2008 só 1,09% do nosso PNB foi destinado a P&D, enquanto na média da OCDE essa fração foi 2,28%. Em 2009 e 2010, houve considerável aumento nos dispêndios brasileiros em P&D, e segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) eles foram 1,5% do PNB em 2010. Mas o desempenho do setor empresarial ainda foi medíocre: enquanto o Estado aplicou 0,85% do PNB, as empresas só aplicaram 0,65%, muito aquém da média de 1,58% verificada na OCDE.

Em 2010, Brasil foi um dos países em que o Estado aplicou a maior fração do PNB em P&D. Não dispomos de números atualizados para outros países, mas em 2008 essas frações foram: Austrália (0,86%), Canadá (0,84%), EUA (0,76%), França (0,75%), Alemanha (0,70%), OECD (0,69%), China (0,40%) (Fonte: C. H. Brito Cruz e H. Chaimovich, em Unesco Science Report 2010). É correto e necessário que nosso Estado aplique intensamente em P&D, pois sem sua atuação vigorosa o panorama seria drástico. Mas dado o nosso atraso tecnológico e a qualidade ainda pouco destacada de nossa ciência, para que a ação do Estado tenha maior eficácia a política científica e tecnológica precisa ser repensada. Na verdade, até mesmo o sistema educacional tem de entrar no foco da análise. Há, no meio científico, quem afirme que é papel da nossa comunidade aprovar projetos, e que cabe ao governo bancá-los ou não.  Isso é questionável. Vivendo em um dos países em que o Estado aplica a maior fração do PNB em pesquisa, e que tem tantos problemas sociais agudos a enfrentar, temos no momento de ajudar a decidir, com austeridade e análise cuidadosa dos méritos comparativos, que projetos temos de priorizar, sob pena de perdermos o respeito da sociedade que nos sustenta.

Um estudo foi encomendado pela Capes a uma equipe de físicos (Adalberto Fazzio, Alaor Chaves, Celso Melo, Rita Maria de Almeida, Roberto Mendonça Faria e Ronald Shellard), cujas conclusões foram publicadas no livro Ciência para um Brasil Competitivo - o papel da Física (Capes 2007). O estudo aponta problemas diversos, alguns na formação de nossos engenheiros e cientistas (engenheiros pouco científicos e cientistas excessivamente acadêmicos), decorrentes em parte da especialização muito precoce dada a nossos universitários, em parte do baixo interesse das empresas por engenheiros científicos. O estudo aponta também a necessidade de se criar dentro do país uma infra-estrutura de pesquisa que inclua instituições capazes de abordar projetos científicos e tecnológicos mais desafiadores e de desenvolver instrumentação científica de classe mundial que possibilite seu enfrentamento. Com ações indutivas do Estado, a parte mais comercializável dessa instrumentação passaria a ser produzida em escala industrial por nossas empresas. Nossa incipiência em instrumentação - para a pesquisa, para a indústria, para o setor médico-hospitalar - é deplorável. Foi também proposta a criação de uma empresa estatal que funcionasse ao modo da Embrapa, dedicada a resolver os mais importantes gargalos tecnológicos industriais.

Dentre as coisas que precisamos repensar, inclui-se a ênfase que temos dado às colaborações científicas internacionais. Creio que a história revela com clareza e eloqüência que todos os países bem sucedidos em desenvolver uma ciência tardia - ex-União Soviética, Japão, Coréia, China - praticaram, pelo menos temporariamente, um alto grau de introversão científica. Japão só se abriu para colaborações com EUA e Europa depois de se tornar altamente competitivo. De mais de um físico japonês ouvi o estribilho: "quem não é capaz de competir não deve colaborar". Já o Brasil, assim como a Índia, optou por fazer ciência "para inglês ver". A Índia foi bem sucedida em desenvolver uma ciência acadêmica do mais alto nível, mas só agora está se tornando capaz de inseri-la na vida do país. O Brasil, por enquanto, não fez nem uma coisa nem outra.

No momento, há três grandes projetos científicos que envolvem a física brasileira, um nacional e dois estrangeiros: a expansão e atualização do Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), a adesão à ESO, consórcio europeu que opera o ESO, European Southern Observatory, e o ingresso do Brasil no CERN, outro laboratório bancado por um consórcio europeu. Há ainda um quarto projeto, o Reator Multipropósito Brasileiro, já em andamento após a aprovação do MCT em maio de 2010, e que é da maior importância para o país.

O LNLS, que vem sendo discutido há anos, custará R$360 milhões em seis anos. Será feito com tecnologia brasileira (fora a aquisição de componentes disponíveis no comércio internacional) e seguramente trará avanços para várias tecnologias no Brasil. Quase todo o dinheiro ficará no Brasil, o que significa que quase 40% dos recursos retornarão ao Tesouro na forma de impostos.

A adesão à ESO nos custará €300 milhões em 11 anos (€130 milhões como taxa de ingresso). Após isso, o Brasil contribuirá com quantia proporcional ao nosso PNB, o que já por volta de 2018 nos transformará, junto com Alemanha, no maior financiador da ESO. Mas nesta geração o Brasil não terá qualquer chance de alcançar um papel de liderança científica no consórcio. Teremos, é fato, acesso a uma excelente infra-estrutura já existente ou em fase de conclusão, e também ao programado Eso Extremely Large Telescope (E - ELT), mas disputaremos seu uso com concorrentes que contribuirão com muito menos dinheiro e serão cientificamente mais competitivos. Sobre o E - ELT é preciso esclarecer que seu custo estimado (projetos que envolvem tecnologia ainda não dominada acabam custando muito mais do que o previsto) é de €1 bilhão, mas por enquanto a ESO só conta (fora o dinheiro brasileiro, que em parte será usado na manutenção da infraestrutura já disponível) com €400 milhões. Estão correndo o chapéu pelo mundo afora, mas por enquanto só nós nos aventuramos.

O CERN, que construiu e opera o LHC, maior acelerador de partículas do mundo, assim como a ESO recebe dos países membros uma contribuição proporcional ao PNB. O MCT solicitou nosso ingresso como membro associado do CERN. No caso do Brasil, a contribuição computada pelo PNB seria de US$150 milhões/ano. Mas por enquanto só pagaremos 10% desse valor. Com o tempo, pode ser que venhamos também a nos tornar o maior financiador do CERN. No momento, cerca de 70 físicos que ocupam posições acadêmicas no Brasil destinam o seu esforço de pesquisa a trabalhos no CERN. São pesquisadores financiados pelo Brasil que trabalham no CERN sem nem mesmo ocupar espaço físico naquele laboratório. Esse arranjo parece bom para o Brasil e excelente para o CERN. Argumenta-se que como membro associado poderemos competir em licitações do CERN. Mas competir é uma coisa, ser competitivo é outra.

A China está também considerando (com a sua cautela milenar) a possibilidade de ingressar no CERN. Mas ela já desenvolveu uma extraordinária capacidade tecnológica no campo. É grande exportadora de aceleradores de portes médio e pequeno e de componentes e periféricos para aceleradores (na internet há muitos anúncios desses seus produtos). Se entrar no CERN, é seguro prever que a China almeje em médio prazo levantar a taça de campeã do ramo. Cabe apontar que, mesmo estreante no ramo da radioastronomia, está construindo um radiotelescópio com 500 metros de diâmetro, de longe o maior do mundo.

A Austrália tem de longe a melhor ciência do hemisfério Sul e já ganhou 11 prêmios Nobel de ciência. Sua astronomia é excepcional. Junto com outro consórcio, está projetando o Square Kilometer Array, a maior e mais poderosa malha de radiotelescópios do mundo, que ficará na Austrália ou na África do Sul.  Está sendo assediada pela ESO. No que se refere a telescópios ópticos, por enquanto, comprometeu-se com o Giant Magellan Telescope - GMT, projeto mais modesto e realista de um consórcio de universidades americanas ao qual aderiu junto com Coréia.  Duas empresas australianas já estão engajadas no projeto. Um dos elementos de mais alta tecnologia do GMT, o sistema eletro-óptico de óptica adaptativa (corrige em tempo real as distorções de imagem causadas pela turbulência atmosférica) ficará a cargo de uma delas. Ninguém espera que Austrália ou Coréia entre com dinheiro. Suas contribuições virão na forma de tecnologia e componentes para o GMT.

Em dezembro de 2010, o MCT assinou protocolos de ingresso na ESO e no CERN, deixando de lado o projeto do LNLS. No campo da ciência e da tecnologia, nenhum país atingiu relevância com o tipo de política que temos praticado. O Brasil precisa formar muito mais pesquisadores do que tem formado. Temos 133 mil pesquisadores, Índia tem 155 mil, Coréia tem 222 mil, Rússia tem 469 mil, Japão tem 710 mil e China tem 1.423 mil. Os nossos pesquisadores têm de ser melhor preparados para a inovação e para trabalhar em empresas, e as empresas precisam de enérgicas ações estatais para empregar esses profissionais. Temos de criar, dentro do País, centros de pesquisa capazes de enfrentar grandes desafios científicos e tecnológicos. É grave o fato de não produzirmos sequer aceleradores de partículas para radioterapia ou produção de radioisótopos, nem telescópios adequados para astrônomos amadores (em 2009, importei dois telescópios para um grupo de divulgação da astronomia do qual participo).

Temos de formular nossa própria agenda científica. Quando estivermos preparados para disputar o campeonato da primeira divisão em ciência, aí sim, a concessão de quantias vultosas a projetos internacionais poderá servir aos interesses do país. E não podemos esquecer que o projeto de nação de um país continental como o Brasil tem de ser distinto do de uma Holanda, Áustria, Dinamarca, Portugal etc. Ciência para o Brasil deve ser feita muito prioritariamente no Brasil. E o país não pode abrir mão do projeto de alcançar competência e autonomia em todas as tecnologias que determinam a afluência das nações no mundo contemporâneo.

*Alaor Chaves é bacharel e mestre em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ph.D em Física pela University of Southern California e membro Titular da Academia Brasileira de Ciências Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico

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