11 de março de 2011
Valor Econômico | Eu & Fim de semana | BR
O perigo mora ao lado
Reportagem de capa: Na última década, o número total de assassinatos nas capitais brasileiras caiu 3,1%, ante 19,5% de aumento no Brasil como um todo. Segundo a OAB, 90% desses crimes fica impune. Por.Maurício de Oliveira
Paulo Roberto Coelho Júnior, de 20 anos, sobrinho do ex-pugilista e deputado federal Acelino Popó Freitas (PRB-BA), decidiu passar o Carnaval em um lugar mais tranquilo que Salvador. Partiu com a namorada para Itabaianinha, município sergipano de 40 mil habitantes. Na madrugada de segunda para terça-feira, o casal participava dos festejos de rua quando foi abordado por um assaltante que, visivelmente alterado, tentou arrancar o cordão de ouro que Paulo Roberto carregava no pescoço. O rapaz, que estudava para se tornar policial, resistiu e levou um tiro no peito. Tombou morto ali mesmo, em plena praça pública.
O trágico acontecimento sintetiza o que as estatísticas dizem a respeito dos homicídios no Brasil. De cada 100 vítimas, 92 são homens e 37 têm entre 15 e 24 anos - essa é a faixa etária que, de acordo com os especialistas, está na linha de frente do tráfico e do consumo de drogas, origem da maior parte dos assassinatos que ocorrem hoje no país. A idade com maior risco de morte por homicídio é justamente a que Paulo Roberto tinha - 2.304 jovens com exatos 20 anos foram mortos no Brasil em 2008, o último ano em que a estatística está consolidada.
Além de evidenciar a banalização da vida - mata-se por qualquer motivo -, o episódio de Itabaianinha ilustra outro fenômeno que vem ocorrendo no país: o da interiorização da violência. Ao longo da última década, o número total de assassinatos nas capitais brasileiras caiu 3,1%, ante 19,5% de aumento no Brasil como um todo - a participação das capitais no total de assassinatos vem sendo reduzida ano a ano, de 41,3% em 1998 para 33,5% em 2008. A repercussão da morte do sobrinho de Popó deve ter colaborado para a polícia agir rapidamente na identificação do suspeito, que permanecia foragido até o fechamento desta edição: Jeferson dos Santos, de 19 anos, conhecido como Jeu do Boró, morador de outra cidade do interior sergipano, Umbaúba - onde já tinha ficha policial por envolvimento com drogas. Tanta eficiência nas investigações é uma exceção, contudo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estima que 90% dos assassinatos do país permanecem impunes, sem a condenação do responsável.
Muitas vezes o assassino até chega a ser identificado, mas o crime prescreve por morosidade da Justiça. Essa mesma morosidade prejudica quem não tem condições de pagar bons advogados e leva 160 mil pessoas - quase 40% da população carcerária do país - a permanecer na cadeia sem terem sido condenadas, uma das causas cruciais da superlotação dos presídios. Em 14 Estados, o problema não é exatamente de falta de vagas, mas sim de cumprimento das regras e prazos processuais. Em Alagoas e no Piauí, por exemplo, sobrariam mais de 60% das vagas do sistema prisional se os presos provisórios fossem libertados, diz a criminóloga e doutora em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB) Cristina Zackseski, autora de um estudo sobre os presos sem julgamento.
Em meio às peculiaridades regionais e à oscilação dos gráficos, uma das projeções que podem ser feitas com poucas chances de erro é a de que ocorrerão cerca de 50 mil assassinatos no país neste ano - para ter uma dimensão da grandeza desse número, basta dizer que equivale a 17 vezes o número de mortos no atentado terrorista às Torres Gêmeas. Tem sido assim nos últimos dez anos, período em que o total de vítimas por ano no país permaneceu entre 47 mil e 51 mil - um brasileiro morre assassinado a cada dez minutos, em média.
Essa previsibilidade remete a uma questão central da discussão sobre violência e segurança pública: por que o país não consegue sair desse incômodo nível? Matar alguém é sempre uma decisão individual, mas o fato de que podemos prever um número tão alto de homicídios no país evidencia se tratar de um fenômeno social, que exige combate das conjunturas, diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência, estudo lançado no começo do ano pelo Instituto Sangari em parceria com o Ministério da Justiça.
O índice brasileiro de 26,4 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes põe o país na sexta posição entre os mais violentos do ranking formado por cem países que fornecem informações com regularidade à Organização Mundial de Saúde (OMS), responsável por compilar e publicar os dados. A comparação com outros países ajuda a entender melhor o tamanho do nosso problema. Nos Estados Unidos, o índice é de seis assassinatos para cada 100 mil habitantes. Na Argentina, é de 4,4. No Japão, é de 0,4 - lá se mata, proporcionalmente, 66 vezes menos do que no Brasil.
Uma das projeções que podem ser feitas com poucas chances de erro é a de que ocorrerão cerca de 50 mil homicídios no país neste ano
Outro dado desanimador em relação ao Brasil é que a violência está espalhada por todo o território nacional, com variações pouco significativas entre as unidades da federação. Se considerarmos isoladamente as estatísticas dos Estados, nenhum deixaria de ter lugar entre as 13 primeiras posições do ranking mundial de homicídios. Alagoas, o Estado com maior índice - 60,3 por 100 mil habitantes -, seria o líder do ranking mundial, acima do índice de 57,3 registrado por El Salvador, o campeão mundial de assassinatos. Piauí, o Estado mais tranquilo do país, com 12,4 homicídios por 100 mil habitantes, ficaria em 13º lugar, logo acima da África do Sul.
O município mais violento do Brasil, Itupiranga (PA), tem 160,6 assassinatos por 100 mil habitantes, três vezes o índice registrado em El Salvador. No ranking das cidades brasileiras mais violentas (que, para evitar distorções estatísticas, considera apenas aquelas com população acima de 10 mil), aparece uma capital: Maceió (AL), na oitava posição, com índice de 107,1. A situação na capital alagoana beira o descontrole - como se pôde constatar, mais uma vez, durante o Carnaval. Foram registrados 19 homicídios na cidade entre sexta-feira e a Quarta-Feira de Cinzas - um deles envolveu uma personalidade local, o arquiteto e produtor de moda Flavius Braga, de 47 anos, encontrado dentro do seu carro com um corte profundo no pescoço, provocado possivelmente por faca. Não por acaso, Maceió foi escolhida para sediar neste fim de semana a primeira reunião de trabalho do Pacto Nacional para a Prevenção da Violência, com a participação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e de especialistas no assunto.
Quem analisa as estatísticas históricas de homicídios no Brasil pode até encontrar motivos para argumentar que a situação está melhorando. Afinal, o índice só crescia nas décadas de 1980 e 90, ao ritmo de 6,5% ao ano, em média, bem acima do aumento populacional. Entre 1998 e 2008, entretanto, o número absoluto de homicídios subiu 17,8%, praticamente no mesmo ritmo da expansão da população, que foi de 17,2% nesse período. Mas qualquer ponta de entusiasmo vai por água abaixo quando se pensa que, mesmo sob estabilidade, o Brasil perdeu 522 mil vidas por assassinato ao longo desses dez anos - e a violência no período custou R$ 1 trilhão ao país, nas contas do coronel José Vicente da Silva Filho, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, que incluiu no cálculo mais de 1,5 milhão de internações no Sistema Único de Saúde (SUS).
Para ele, a realização da Copa do Mundo de 2014 surge como uma grande oportunidade para dar um salto de qualidade na segurança pública brasileira e finalmente derrubar o índice de homicídios. É preciso não restringir o planejamento aos estádios e arredores, e sim pensar de forma mais ampla. Esse legado precisa permanecer para o país depois da competição, diz o coronel, que tem participado de grupos de discussão sobre o planejamento de segurança para a Copa e a Olimpíada.
Um caminho para diminuir o número de assassinatos parece ser replicar a fórmula aplicada em São Paulo: investir pesado em segurança pública
Outro dado que deve ser levado em conta é que a interrupção do movimento ascendente da taxa de homicídios no país não ocorreu como resultado de uma estratégia bem-sucedida de combate à violência em todo o território nacional, mas sim por um motivo localizado: a significativa redução no número de homicídios que os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro conseguiram obter na década. O número absoluto em São Paulo caiu 56,3% na comparação entre 1998 e 2008. Com isso, o Estado passou da 5ª posição no ranking de unidades da federação com maior índice de homicídios para a atual 25ª posição. No Rio, a queda foi de 28,7% na década.
Além desses dois Estados, apenas Roraima e Rondônia conseguiram diminuir a quantidade de homicídios nos últimos dez anos - em 20,5% e 1,8%, respectivamente. Na direção oposta, a maior parte dos Estados registrou acréscimo significativo. O caso extremo é o do Maranhão, que viu o índice subir 367% no período. Mas vários outros não ficaram muito atrás: Bahia (280,9%), Sergipe (226,1%), Rio Grande do Norte (222,9%) e Alagoas (222,6%) - foi esse índice que fez Alagoas saltar da 11ª para a 1ª posição no ranking nacional. Nem mesmo Estados antes considerados tranquilos escaparam da escalada dos homicídios - é o caso de Santa Catarina, com 97,7% de aumento nessa década.
Graças à queda nos índices de São Paulo e do Rio, o Sudeste viu o número total de assassinatos cair 29,9% em dez anos. Nas demais regiões, a violência só aumentou: 48,3% no Centro-Oeste, 86,4% no Sul, 101,5% no Nordeste e 108,1% no Norte. Isso provocou uma reviravolta no mapa brasileiro dos homicídios. Em 1998, o número absoluto de assassinatos no Sudeste era quase três vezes maior do que no Nordeste. Hoje, ocorre praticamente a mesma quantidade de homicídios nas duas regiões.
Maior ainda que a redução verificada nos Estados de São Paulo e do Rio foi a obtida em suas capitais. No Rio, a incidência de crimes com morte caiu 45,4% entre 1998 e 2008 - de 3.498 para 1.910. Na capital paulista, a queda foi de 73,3%, despencando de 6.065 para 1.622. Com isso, São Paulo conseguiu atingir o menor índice entre todas as capitais, com 14,8 assassinatos por 100 mil habitantes, seguida por Palmas (18,5) e Florianópolis (22,6). Em 1998, o índice na capital paulista era de 61,1, o que a colocava na 6ª posição entre as capitais com maior número de homicídios. Destaque no sentido oposto, Maceió saltou no mesmo período da 14ª para a 1ª posição entre as capitais e à condição de oitava cidade do país com maior proporção de homicídios. Apesar da tendência de interiorização da violência, as capitais ainda apresentam maior concentração dos homicídios, com uma taxa conjunta de 37,3 ocorrências por 100 mil habitantes, ante a média nacional de 26,4.
Esperava-se uma queda significativa na taxa de homicídios em decorrência da aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, mas não foi o que ocorreu. Hoje, apesar das regras rígidas para comércio e porte de armas, sete em cada dez assassinatos no país são realizados com arma de fogo. Muitos analistas consideram, no entanto, que a nova lei - e a grande campanha de conscientização que retirou de circulação quase 500 mil armas - foi decisiva para estabilizar o índice ao longo da década, sem o que o gráfico poderia ter permanecido na linha ascendente descrita nas décadas anteriores. Outros discordam até hoje da eficácia da medida. Desarmar a população é uma injustiça com o cidadão de bem, pois os bandidos continuam tendo acesso às armas, critica o advogado Benê Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, controversa ONG sediada em São Paulo que nasceu no começo da década para combater o projeto do desarmamento.
Um caminho para diminuir rapidamente o número de assassinatos no país parece ser replicar a fórmula aplicada em São Paulo: investir substancialmente em segurança pública. De acordo com o mais recente Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo - cuja população corresponde a 21% do total nacional - aplicou R$ 8,6 bilhões em policiamento em 2009, valor equivalente a 56% dos R$ 15,4 bilhões gastos por todos os Estados somados. O efetivo das forças policiais, em São Paulo, é de 183,9 mil, 44% do total nacional, que é de 418 mil. Outro dado que põe o Estado acima da média nacional é o alto número de criminosos que são efetivamente punidos - São Paulo reúne 37% da população carcerária do país, atualmente de 447,4 mil pessoas.
Investimentos e melhorias no sistema prisional são ações importantes, mas o que vai resolver mesmo o problema a longo prazo é a estabilização dos índices socioeconômicos, diz o doutor em ciência política e coordenador de análise e planejamento da Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo, André Zanetic. Ele ressalta que, em sociedades que registram desenvolvimento econômico e aumento da renda média, como ocorre com o Brasil de hoje, é normal haver um período de aumento de criminalidade seguido pelo arrefecimento dos índices - especialmente quando o desenvolvimento econômico vem acompanhado da melhor distribuição da renda, como também vem sendo constatado no país.
Outra tendência destacada por Zanetic é a crescente participação dos municípios na segurança pública, fenômeno que ganhou força nos últimos anos com a ampliação dos investimentos feitos pelas prefeituras na área (de R$ 748,7 milhões em 2003 para R$ 2 bilhões em 2009) e a criação das guardas municipais - já são 865 no país, com destaque para São Paulo (188) e Bahia (160). A violência se origina de problemas que normalmente nascem da falta de ação da prefeitura, como a desordem urbana, a falta de iluminação e o comércio ambulante. Por isso é mesmo fundamental a participação do poder municipal no esforço por mais segurança pública, considera.
Paulo Roberto Coelho Júnior, de 20 anos, sobrinho do ex-pugilista e deputado federal Acelino Popó Freitas (PRB-BA), decidiu passar o Carnaval em um lugar mais tranquilo que Salvador. Partiu com a namorada para Itabaianinha, município sergipano de 40 mil habitantes. Na madrugada de segunda para terça-feira, o casal participava dos festejos de rua quando foi abordado por um assaltante que, visivelmente alterado, tentou arrancar o cordão de ouro que Paulo Roberto carregava no pescoço. O rapaz, que estudava para se tornar policial, resistiu e levou um tiro no peito. Tombou morto ali mesmo, em plena praça pública.
O trágico acontecimento sintetiza o que as estatísticas dizem a respeito dos homicídios no Brasil. De cada 100 vítimas, 92 são homens e 37 têm entre 15 e 24 anos - essa é a faixa etária que, de acordo com os especialistas, está na linha de frente do tráfico e do consumo de drogas, origem da maior parte dos assassinatos que ocorrem hoje no país. A idade com maior risco de morte por homicídio é justamente a que Paulo Roberto tinha - 2.304 jovens com exatos 20 anos foram mortos no Brasil em 2008, o último ano em que a estatística está consolidada.
Além de evidenciar a banalização da vida - mata-se por qualquer motivo -, o episódio de Itabaianinha ilustra outro fenômeno que vem ocorrendo no país: o da interiorização da violência. Ao longo da última década, o número total de assassinatos nas capitais brasileiras caiu 3,1%, ante 19,5% de aumento no Brasil como um todo - a participação das capitais no total de assassinatos vem sendo reduzida ano a ano, de 41,3% em 1998 para 33,5% em 2008. A repercussão da morte do sobrinho de Popó deve ter colaborado para a polícia agir rapidamente na identificação do suspeito, que permanecia foragido até o fechamento desta edição: Jeferson dos Santos, de 19 anos, conhecido como Jeu do Boró, morador de outra cidade do interior sergipano, Umbaúba - onde já tinha ficha policial por envolvimento com drogas. Tanta eficiência nas investigações é uma exceção, contudo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estima que 90% dos assassinatos do país permanecem impunes, sem a condenação do responsável.
Muitas vezes o assassino até chega a ser identificado, mas o crime prescreve por morosidade da Justiça. Essa mesma morosidade prejudica quem não tem condições de pagar bons advogados e leva 160 mil pessoas - quase 40% da população carcerária do país - a permanecer na cadeia sem terem sido condenadas, uma das causas cruciais da superlotação dos presídios. Em 14 Estados, o problema não é exatamente de falta de vagas, mas sim de cumprimento das regras e prazos processuais. Em Alagoas e no Piauí, por exemplo, sobrariam mais de 60% das vagas do sistema prisional se os presos provisórios fossem libertados, diz a criminóloga e doutora em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB) Cristina Zackseski, autora de um estudo sobre os presos sem julgamento.
Em meio às peculiaridades regionais e à oscilação dos gráficos, uma das projeções que podem ser feitas com poucas chances de erro é a de que ocorrerão cerca de 50 mil assassinatos no país neste ano - para ter uma dimensão da grandeza desse número, basta dizer que equivale a 17 vezes o número de mortos no atentado terrorista às Torres Gêmeas. Tem sido assim nos últimos dez anos, período em que o total de vítimas por ano no país permaneceu entre 47 mil e 51 mil - um brasileiro morre assassinado a cada dez minutos, em média.
Essa previsibilidade remete a uma questão central da discussão sobre violência e segurança pública: por que o país não consegue sair desse incômodo nível? Matar alguém é sempre uma decisão individual, mas o fato de que podemos prever um número tão alto de homicídios no país evidencia se tratar de um fenômeno social, que exige combate das conjunturas, diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência, estudo lançado no começo do ano pelo Instituto Sangari em parceria com o Ministério da Justiça.
O índice brasileiro de 26,4 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes põe o país na sexta posição entre os mais violentos do ranking formado por cem países que fornecem informações com regularidade à Organização Mundial de Saúde (OMS), responsável por compilar e publicar os dados. A comparação com outros países ajuda a entender melhor o tamanho do nosso problema. Nos Estados Unidos, o índice é de seis assassinatos para cada 100 mil habitantes. Na Argentina, é de 4,4. No Japão, é de 0,4 - lá se mata, proporcionalmente, 66 vezes menos do que no Brasil.
Uma das projeções que podem ser feitas com poucas chances de erro é a de que ocorrerão cerca de 50 mil homicídios no país neste ano
Outro dado desanimador em relação ao Brasil é que a violência está espalhada por todo o território nacional, com variações pouco significativas entre as unidades da federação. Se considerarmos isoladamente as estatísticas dos Estados, nenhum deixaria de ter lugar entre as 13 primeiras posições do ranking mundial de homicídios. Alagoas, o Estado com maior índice - 60,3 por 100 mil habitantes -, seria o líder do ranking mundial, acima do índice de 57,3 registrado por El Salvador, o campeão mundial de assassinatos. Piauí, o Estado mais tranquilo do país, com 12,4 homicídios por 100 mil habitantes, ficaria em 13º lugar, logo acima da África do Sul.
O município mais violento do Brasil, Itupiranga (PA), tem 160,6 assassinatos por 100 mil habitantes, três vezes o índice registrado em El Salvador. No ranking das cidades brasileiras mais violentas (que, para evitar distorções estatísticas, considera apenas aquelas com população acima de 10 mil), aparece uma capital: Maceió (AL), na oitava posição, com índice de 107,1. A situação na capital alagoana beira o descontrole - como se pôde constatar, mais uma vez, durante o Carnaval. Foram registrados 19 homicídios na cidade entre sexta-feira e a Quarta-Feira de Cinzas - um deles envolveu uma personalidade local, o arquiteto e produtor de moda Flavius Braga, de 47 anos, encontrado dentro do seu carro com um corte profundo no pescoço, provocado possivelmente por faca. Não por acaso, Maceió foi escolhida para sediar neste fim de semana a primeira reunião de trabalho do Pacto Nacional para a Prevenção da Violência, com a participação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e de especialistas no assunto.
Quem analisa as estatísticas históricas de homicídios no Brasil pode até encontrar motivos para argumentar que a situação está melhorando. Afinal, o índice só crescia nas décadas de 1980 e 90, ao ritmo de 6,5% ao ano, em média, bem acima do aumento populacional. Entre 1998 e 2008, entretanto, o número absoluto de homicídios subiu 17,8%, praticamente no mesmo ritmo da expansão da população, que foi de 17,2% nesse período. Mas qualquer ponta de entusiasmo vai por água abaixo quando se pensa que, mesmo sob estabilidade, o Brasil perdeu 522 mil vidas por assassinato ao longo desses dez anos - e a violência no período custou R$ 1 trilhão ao país, nas contas do coronel José Vicente da Silva Filho, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, que incluiu no cálculo mais de 1,5 milhão de internações no Sistema Único de Saúde (SUS).
Para ele, a realização da Copa do Mundo de 2014 surge como uma grande oportunidade para dar um salto de qualidade na segurança pública brasileira e finalmente derrubar o índice de homicídios. É preciso não restringir o planejamento aos estádios e arredores, e sim pensar de forma mais ampla. Esse legado precisa permanecer para o país depois da competição, diz o coronel, que tem participado de grupos de discussão sobre o planejamento de segurança para a Copa e a Olimpíada.
Um caminho para diminuir o número de assassinatos parece ser replicar a fórmula aplicada em São Paulo: investir pesado em segurança pública
Outro dado que deve ser levado em conta é que a interrupção do movimento ascendente da taxa de homicídios no país não ocorreu como resultado de uma estratégia bem-sucedida de combate à violência em todo o território nacional, mas sim por um motivo localizado: a significativa redução no número de homicídios que os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro conseguiram obter na década. O número absoluto em São Paulo caiu 56,3% na comparação entre 1998 e 2008. Com isso, o Estado passou da 5ª posição no ranking de unidades da federação com maior índice de homicídios para a atual 25ª posição. No Rio, a queda foi de 28,7% na década.
Além desses dois Estados, apenas Roraima e Rondônia conseguiram diminuir a quantidade de homicídios nos últimos dez anos - em 20,5% e 1,8%, respectivamente. Na direção oposta, a maior parte dos Estados registrou acréscimo significativo. O caso extremo é o do Maranhão, que viu o índice subir 367% no período. Mas vários outros não ficaram muito atrás: Bahia (280,9%), Sergipe (226,1%), Rio Grande do Norte (222,9%) e Alagoas (222,6%) - foi esse índice que fez Alagoas saltar da 11ª para a 1ª posição no ranking nacional. Nem mesmo Estados antes considerados tranquilos escaparam da escalada dos homicídios - é o caso de Santa Catarina, com 97,7% de aumento nessa década.
Graças à queda nos índices de São Paulo e do Rio, o Sudeste viu o número total de assassinatos cair 29,9% em dez anos. Nas demais regiões, a violência só aumentou: 48,3% no Centro-Oeste, 86,4% no Sul, 101,5% no Nordeste e 108,1% no Norte. Isso provocou uma reviravolta no mapa brasileiro dos homicídios. Em 1998, o número absoluto de assassinatos no Sudeste era quase três vezes maior do que no Nordeste. Hoje, ocorre praticamente a mesma quantidade de homicídios nas duas regiões.
Maior ainda que a redução verificada nos Estados de São Paulo e do Rio foi a obtida em suas capitais. No Rio, a incidência de crimes com morte caiu 45,4% entre 1998 e 2008 - de 3.498 para 1.910. Na capital paulista, a queda foi de 73,3%, despencando de 6.065 para 1.622. Com isso, São Paulo conseguiu atingir o menor índice entre todas as capitais, com 14,8 assassinatos por 100 mil habitantes, seguida por Palmas (18,5) e Florianópolis (22,6). Em 1998, o índice na capital paulista era de 61,1, o que a colocava na 6ª posição entre as capitais com maior número de homicídios. Destaque no sentido oposto, Maceió saltou no mesmo período da 14ª para a 1ª posição entre as capitais e à condição de oitava cidade do país com maior proporção de homicídios. Apesar da tendência de interiorização da violência, as capitais ainda apresentam maior concentração dos homicídios, com uma taxa conjunta de 37,3 ocorrências por 100 mil habitantes, ante a média nacional de 26,4.
Esperava-se uma queda significativa na taxa de homicídios em decorrência da aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, mas não foi o que ocorreu. Hoje, apesar das regras rígidas para comércio e porte de armas, sete em cada dez assassinatos no país são realizados com arma de fogo. Muitos analistas consideram, no entanto, que a nova lei - e a grande campanha de conscientização que retirou de circulação quase 500 mil armas - foi decisiva para estabilizar o índice ao longo da década, sem o que o gráfico poderia ter permanecido na linha ascendente descrita nas décadas anteriores. Outros discordam até hoje da eficácia da medida. Desarmar a população é uma injustiça com o cidadão de bem, pois os bandidos continuam tendo acesso às armas, critica o advogado Benê Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, controversa ONG sediada em São Paulo que nasceu no começo da década para combater o projeto do desarmamento.
Um caminho para diminuir rapidamente o número de assassinatos no país parece ser replicar a fórmula aplicada em São Paulo: investir substancialmente em segurança pública. De acordo com o mais recente Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo - cuja população corresponde a 21% do total nacional - aplicou R$ 8,6 bilhões em policiamento em 2009, valor equivalente a 56% dos R$ 15,4 bilhões gastos por todos os Estados somados. O efetivo das forças policiais, em São Paulo, é de 183,9 mil, 44% do total nacional, que é de 418 mil. Outro dado que põe o Estado acima da média nacional é o alto número de criminosos que são efetivamente punidos - São Paulo reúne 37% da população carcerária do país, atualmente de 447,4 mil pessoas.
Investimentos e melhorias no sistema prisional são ações importantes, mas o que vai resolver mesmo o problema a longo prazo é a estabilização dos índices socioeconômicos, diz o doutor em ciência política e coordenador de análise e planejamento da Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo, André Zanetic. Ele ressalta que, em sociedades que registram desenvolvimento econômico e aumento da renda média, como ocorre com o Brasil de hoje, é normal haver um período de aumento de criminalidade seguido pelo arrefecimento dos índices - especialmente quando o desenvolvimento econômico vem acompanhado da melhor distribuição da renda, como também vem sendo constatado no país.
Outra tendência destacada por Zanetic é a crescente participação dos municípios na segurança pública, fenômeno que ganhou força nos últimos anos com a ampliação dos investimentos feitos pelas prefeituras na área (de R$ 748,7 milhões em 2003 para R$ 2 bilhões em 2009) e a criação das guardas municipais - já são 865 no país, com destaque para São Paulo (188) e Bahia (160). A violência se origina de problemas que normalmente nascem da falta de ação da prefeitura, como a desordem urbana, a falta de iluminação e o comércio ambulante. Por isso é mesmo fundamental a participação do poder municipal no esforço por mais segurança pública, considera.
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