14 de setembro de 2011

De Sergio.Buarque@edu para Dilma@gov :Elio Gaspari


14 de setembro de 2011
Educação no Brasil | O Globo | Opinião | BR




ELIO GASPARI
Companheira Dilma, Veja o que fizeram comigo. A prefeitura do Rio deu meu nome a uma escola municipal da Barra da Tijuca e ela foi a última colocada na lista de desempenho dos colégios da cidade. Fez 467 pontos, contra 761 do campeão (o São Bento) e 553 da média nacional. Meu primeiro impulso foi escrever ao prefeito Eduardo Paes, repetindo-lhe um pedido do meu filho: "Pai, afasta de mim esse cálice". Tire o meu nome desse pecado. O Evaristo de Moraes, que está aqui comigo, lembrou que proibiu que dessem seu nome a presídios. Criminalista, não queria ser associado a misérias. Você mesma viveu o absurdo de ser uma das detentas de um presídio chamado Tiradentes. Escrevo-lhe para que leve minha zanga ao prefeito. Ele tem medo de você.
Gastei meus primeiros 80 anos estudando nosso país, a vida e lecionando. Daqui, vi o que aconteceu com a repórter Cibelle Brito quando ela quis saber por que a minha escola foi reprovada. Dois professores trocaram algumas palavras com ela, mas não quiseram dizer seus nomes. Só os alunos falaram, queixando-se.
Companheira, olhe para a Escola Municipal Sérgio Buarque de Holanda com atenção. Está malconservada e os professores reclamam dos salários, mas há algo mais profundo por lá. É a condição dos "desterrados em nossa terra". Os moradores daquele pedaço da Barra da Tijuca desterraram seus filhos para bons colégios, em outros bairros. Quem estuda lá são os desterrados de outras localidades, mais pobres.
Outro dia o Darcy Ribeiro (sempre encantado pela Leila Diniz) ria do desconforto causado na burocracia educacional pelas avaliações dos desempenhos das escolas. Os americanos transformaram o desempenho em pedra angular de seu sistema. Copiamos. Agora os americanos começam a criticar essa aferição, falamos em destruí-la. Tudo ou nada. Não entra no debate o absurdo de escolas que não servem aos moradores de suas localidades. A aferição é apenas uma medida. Sem mais nada, nada é. Sabendo que citar Sérgio Buarque dignifica qualquer texto, cito-me: "De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder das ideias pareceu-nos a mais dignificante em nossa adolescência política e social."
Para que não se diga que estou num exercício livresco, faço-lhe uma proposta. Continuem a dar o nome dos outros a escolas, mas a partir de hoje, toda vez que um colégio ficar em último lugar no Enem, abaixo da média nacional, a homenagem será suspensa temporariamente, e a instituição, rebatizada com o nome do prefeito ou do governador. (No caso de escolas federais, com o seu.) Assim, peço à garotada da "Sérgio Buarque de Holanda" que não queira mal a este velho fuçador de documentos, mas, a partir de hoje, digam que estudam na Escola Municipal Eduardo Paes.
Despeço-me desejando-lhe um bom governo, certo de que este fundador do PT ainda não tem motivos para rasgar a carteirinha (nº 003). Passaram-se 75 anos da publicação do meu "Raízes do Brasil" e, felizmente, posso dizer que a democracia, no Brasil, já não é "um lamentável mal-entendido".
Sérgio Buarque de Holanda.
Nas quatro próximas semanas o colunista usufruirá o cordial benefício do ócio.
ELIO GASPARI é jornalista

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