10 de setembro de 2011

Organizado por FHC, livro fala sobre 'cultura da transgressão'




cifras & letras

CRÍTICA


Grandes nomes abordam temas como corrupção, Judiciário e cultura política

AO DIMINUIR A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE SOBRE PRISÕES, O JUDICIÁRIO DEIXA DE CUMPRIR ELEMENTAR DEVER

Juca Varella - 23.ago.2011/Folhapress
Trecho na BA onde foi suspensa construção de canal devido a 27 irregularidades; ao menos R$ 64 milhões foram desviados

MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO

Não é sempre que se leem importantes nomes do direito e da economia analisarem de maneira franca, às vezes crítica, instituições pelas quais atuam ou atuaram.
Esse é um dos trunfos de "Cultura das Transgressões - Cenários do Amanhã", o terceiro de uma série editada pelos institutos Etco (de Ética Concorrencial) e iFHC, do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Cinco especialistas -Renato Janine Ribeiro, Gilmar Mendes, Paul Singer, Marcílio Marques Moreira e Aristides Junqueira- foram convidados a abordar os desafios para superar a cultura de transgressões, como forma de garantir caminho livre ao desenvolvimento do país.
Paul Singer fala de um problema que possivelmente está citado noutra página da Folha hoje: a corrupção em obras públicas. O economista, que foi secretário de Planejamento de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, descreve o esforço de transparência feito pelo Estado nas compras do governo.
Apesar disso, diz, fazer licitação é caro, demorado e, em muitos casos, não elimina a corrupção. Atual secretário de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho, Singer admite que a maior parte dos desvios somente é descoberta quando há delação de quem participa. E, pior, raramente terminam em punição dos envolvidos.
Os artigos do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e do ex-procurador-geral de Justiça Aristides Junqueira parecem dialogar sobre o Judiciário.
Mendes não poupa também os juízes pela fatiga do sistema prisional. Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), trazidos à luz pelo ministro, indicam que quase metade (46%) dos detentos está reclusa por decisões provisórias (prisão em flagrante, temporária e preventiva).
"Ao diminuir a importância do controle efetivo sobre prisões, [o Judiciário] deixa de cumprir elementares deveres previstos pela Constituição", escreve.
Já Aristides Junqueira discute a impunidade. Argumenta que muitas decisões dos tribunais sobre crimes de valores considerados baixos inocentam reconhecidos criminosos, vários reincidentes.
E vai além. Aristides afirma que as transgressões tributárias -mesmo que afetem número maior de pessoas e representem perdas de milhões- muitas vezes nem desembocam em ações penais. Ao contrário, os malfeitores têm benefícios:
"Quem deixa de recolher tributos devidos pode comercializar os produtos que fabrica por preço menor ou até abaixo do custo, em detrimento daqueles que, eticamente e avessos à cultura das transgressões, cumprem suas obrigações tributárias".
Mas as transgressões nem sempre são ruins. Romper o estabelecido para deixar o novo chegar é o que norteia os artigos do professor de ética e filosofia política da USP Renato Janine Ribeiro e do ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira.
Em seu artigo, Ribeiro fala que as soluções ideais ficaram no passado e que hoje é possível discutir com menos paixão -e sob a perspectiva de reduzir danos ao coletivo- temas como a descriminalização das drogas e o aborto.
Moreira defende a superação do empoeirado debate Estado versus mercado em nome de uma economia capitalista de verdade, com serviços de qualidade que efetivamente cheguem aos mais pobres. Nada mais atual.

CULTURA DAS TRANSGRESSÕES
ORGANIZADORES Fernando Henrique Cardoso e Roberto Abdenur
EDITORA Saraiva
QUANTO R$ 45 (156 págs.)
AVALIAÇÃO Bom

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