Folha de S.Paulo, 8/6/2013
SÃO PAULO - O que mais me incomoda na posição dos médicos que se opõem à vinda de profissionais de saúde cubanos para áreas remotas do país é que ela se baseia em argumentos completamente antidarwinistas. Se estivéssemos lidando com padres, tudo bem. Sacerdotes não precisam --e provavelmente nem devem-- guiar-se pela lógica evolucionista, mas de médicos seria razoável esperar um comprometimento mais visceral com a biologia.
Para os nossos valorosos doutores, configura grave violação ética oferecer aos mais pobres um profissional com qualificação inferior à exigida para atuar nos grandes centros. Concordo que esse não é o cenário ideal, especialmente quando analisamos a questão do ponto de vista dos princípios republicanos.
Vou um pouco mais longe e afirmo que, sem uma estrutura sanitária adequada, os cubanos poderão fazer muito pouco. E é neste "pouco" que está a chave do problema.
Os profissionais brasileiros têm milhões de motivos legítimos para não querer ir para a Amazônia. A lista inclui desde as más condições de trabalho até a inexistência de boas escolas para colocar seus filhos, passando pela malária e os desmandos dos políticos locais. Mas, entre não ir e fazer lobby para impedir que alguém vá, existe um abismo. Em medicina como na matemática, quase sempre algo é melhor do que nada.
Embora criacionistas gostem de afirmar que meio olho ou meia asa são totalmente inúteis, as evidências mostram que não é bem assim. Mesmo sem ser plenamente funcional, uma protoasa já ajudaria seu dono a planar e pode fazer com que ele não se machuque tanto numa eventual queda. Antes de enxergar, o olho pode servir como sensor de calor e movimento. "Natura non facit saltus" (a natureza não dá saltos), já asseveravam Aristóteles, Newton e Leibniz.
Em grande parte dos ambientes, incluindo a Amazônia, meio médico é preferível a médico nenhum.
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