Em 1974, o então chanceler Azeredo da Silveira criava o mais ambicioso programa de política externa do Brasil
"Se atirarem pedras no seu telhado, estarei a seu lado para recebê-las", disse Ernesto Geisel.
O general acabava de convidar Antônio Francisco Azeredo da Silveira para assumir o comando do Itamaraty, e a política externa seria um instrumento para avançar o projeto de abertura.
Silveira montou uma estratégia geral antes da posse. "Política externa brasileira: seus parâmetros internacionais" é o título da peça. Redigido em 16 de janeiro de 1974, o texto completa 40 anos.
Trata-se do arrazoado estratégico por trás do mais ambicioso e criativo programa de política externa que o Brasil do pós-guerra vivera até a época.
No primeiro dia de governo, Geisel anunciou o abandono da tradicional postura pró-Israel em favor da aproximação com países árabes.
O governo trocou Taiwan pela China comunista e se afastou da ditadura portuguesa para se aproximar dos governos (muitas vezes esquerdistas) da África negra.
No Itamaraty, Silveira montou um programa para isolar a Argentina e atrair Bolívia, Paraguai e Uruguai para a órbita brasileira.
Ainda inventou protocolos inéditos com Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha Ocidental, Itália e Japão, numa época em que o Brasil era do Terceiro Mundo.
A linha-dura esperneou. A imprensa qualificou algumas medidas de "perigosas", "infantis" ou "irresponsáveis". Pela primeira vez, o Itamaraty precisou instituir uma assessoria de imprensa para lidar com crises de imagem.
O governo, por sua vez, rotulou sua política de "pragmatismo ecumênico e responsável".
"Pragmatismo" porque o governo militar não limitaria sua agenda internacional à luta anticomunista, podendo dialogar com regimes marxistas. "Ecumênico" porque abriria fronteiras em regiões antes ignoradas, como Oriente Médio, África e Ásia. "Responsável" porque não faria nada capaz de ameaçar a continuidade do regime militar: Geisel podia fazer negócio com Mao na China e Brejnev na União Soviética, mas nunca com Fidel em Cuba.
Quarenta anos depois, os problemas do "pragmatismo" saltam aos olhos. Naquele governo, o deficit da balança comercial saltou de US$ 4 bilhões para US$ 14 bilhões (contra uma tendência de cem anos de superavit).
Em foros internacionais, a diplomacia encobriu a política de tortura, desaparecimento e assassinato de opositores ao regime (a Comissão da Verdade ajudará a descobrir se houve mais).
No entanto, nada disso diminui o valor do "pragmatismo" como um projeto de ascensão internacional explícito e concebido como tal.
Talvez por isso Lula e FHC, as duas lideranças da Nova República, refiram-se a Silveira com adjetivos positivos. "Quando conheci o Celso Amorim", ouvi de Lula em entrevista recente, "lembrei do Silveira na hora". "Esse é o cara que eu quero, pensei. Um diplomata com cabeça política."
Silveira não redigiu diário nem memórias, mas cedeu seu vasto arquivo à FGV, onde permanece pouco estudado. Deixou ainda uma longa entrevista, "Azeredo da Silveira: um Depoimento" (FGV, R$ 35). FOLHA DE S.PAULO, 8/1/2014
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