O Brasil registrou, entre 2011 e 2012, a mais alta taxa de homicídios e o maior número absoluto de assassinatos desde 1980, quando a criminalidade começou a ser mapeada
DIÁRIO DA MANHÃ
HELTON LENINE
A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a taxa de dez mortes violentas (homicídios), por grupo de cem mil habitantes, o ponto a partir do qual a violência criminal precisa ser tratada como epidemia. É o índice que delimita a fronteira da calamidade social dos assassinatos nos países. O Brasil mira tal indicador, mas ainda está distante desse corte. Pior: apesar de importantes avanços setoriais, com balanços mostrando saldo de vitórias na guerra contra o crime organizado em Estados como São Paulo e Rio, o País, como um todo, registrou um preocupante aumento de 7,9% na média do número de óbitos não naturais. A conclusão é do mais recente Mapa da Violência, a ser lançado nos próximos dias, com dados tabulados até 2012.
É a maior taxa histórica de crescimento de homicídios desde 1980, quando a geografia da violência começou a ser mapeada pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que trabalha com uma fonte primária à prova de equívocos: os atestados de óbito emitidos em todo o País.
Os números mostram que o Brasil produziu, em 2012, o maior número absoluto de assassinatos de sua história (56 mil). E, confrontados com os indicadores de criminalidade do Rio e São Paulo – crônicos nichos de violência urbana que, em geral, vêm tendo bom desempenho com suas políticas de segurança pública–, reforçam a orientação de que o crime em larga escala não é fenômeno localizado. O problema é nacional.
Mesmo tendo melhorado seus índices, São Paulo (que passou a prender mais, uma opção pela intimidação do banditismo) e Rio (com seu grande trunfo na política de pacificação, UPP’s à frente) ainda se mantêm na faixa de violência epidêmica, com 15,1 homicídios/100 mil habitantes (SP) e 28,3/100 mil (RJ). É claro sinal de que o combate à criminalidade precisa ir além das ações policiais, fator decisivo para inverter a curva de crescimento da violência, mas insuficiente.
O jornal O Globo, em editorial, ressalta que as políticas de segurança precisam ir além, uma indicação que vale não só para os dois Estados, mas para todo o País. “Questões não resolvidas, por leniência, inapetência política ou tibieza administrativa, precisam ser assumidas como prioritárias pelos governos. Caso da faxina ética das polícias e do equacionamento, para valer, da crise dos presídios, convertidos de casas correcionais em quartéis-generais do crime organizado e centros de transformação de criminosos primários em quadros do banditismo. Mais ainda, a questão da criminalidade reclama intervenções multidisciplinares, no âmbito também da Justiça.”
Penitenciárias abarrotadas e execução penal com nebulosos critérios (são constantes os casos de bandidos de alta periculosidade beneficiados com o encurtamento de penas, por decisões arrancadas nos desvãos da burocracia judicial) são combustíveis que realimentam a escalada criminal. O País precisa melhorar seus indicadores de violência, o que implica abordar a questão por todos os seus ângulos.
Para o professor de Sociologia Política da UFG, Pedro Célio Borges, o fenômeno da violência ocorre em qualquer país ou situação em que os homens se associam para viver juntos. “Trata-se de algo próprio da condição humana. Por isto, o que interessa para o debate público é avaliar o modo como instituições e autoridades responsáveis atuam para controlar e combater as formas de violência contrárias ao convívio social e aos direitos individuais moralmente validados em uma determinada sociedade.
Pedro Célio Borges, que também é professor de Ciência Política, diz ser comum que, no debate político, a qualidade das iniciativas e performances dos responsáveis pelas políticas públicas entrem em questão. “A insegurança tornou-se crítica nas grandes cidades brasileiras, em razão das consequências trazidas pelo excesso de desvios de conduta, roubos, assassinatos, e corrupção policial, impunidades, ineficiências e conluios entre governos e agentes do crime.”
O professor da UFG sustenta que o cidadão comum tem assistido e vivido uma “avalanche de medo, terror e descrença, que parece não ter fim e que se apresenta num duplo plano: um é o das formas da violência, que se renovam em crueldade e desapreço aos valores básicos, inclusive à vida; outro é o da fragilidade das repostas dadas pelos sistemas punitivos e preventivos”.
Sobre as críticas frequentes que a oposição, representada em Goiás pelo PMDB, PSB, DEM e PT, principalmente, faz ao governo estadual pela violência existente em Goiânia, Pedro Célio Borges ressalta que, enfocar apenas um aspecto do problema é sempre um equívoco. “Se o fato de denunciar ineficiências e cobrar posturas diferentes dos responsáveis no governo – é uma obrigação da oposição –, em um momento eleitoral espera-se que seus porta-vozes mostrem-se também aptos a indicarem alternativas de combate.”
Pedro Célio Borges sustenta que todos sabemos que não há soluções mágicas ou isoladas de outros contextos de gestão pública, como escolas, emprego, vida familiar e cultura de solidariedade, programas de ocupações lúdicas, esportivas e culturais. “Não se espera dos políticos que tenham obrigação de elaborar sobre tudo, mas no mínimo que eles tenham uma estratégia e credibilidade para debater e mobilizar a sociedade para o tema.”
O professor de Sociologia e Ciência Política da UFG, Francisco Chagas Evangelista Ribeiro, prefere não tratar da questão da violência como “um fenômeno nacional” e resultante da falta de políticas públicas de inclusão social, por parte de todas as esferas de poder – federal, estadual e municipal. “Não se pode debater a questão da segurança pública sem se referir à desigualdade social existente em nosso País.”
Educação
No entendimento de Francisco Chagas, não se pode atuar na redução dos índices de criminalidade, em uma cidade ou em Estado, apenas colocando nas ruas o aparelho repressivo das polícias. “Policiamento ostensivo sem uma política de inclusão social não reduz os índices de violência. É preciso planejar e executar as políticas de educação com qualidade, de saúde pública para todos, de moradia digna e oportunidades para todos. A solução para combater a violência começa por aí.”
Com a experiência de participar de conferências internacionais nos Estados Unidos e Europa, sobre temas relevantes como políticas de segurança pública, Francisco Chagas Ribeiro enfatiza que os governos federal, estadual e municipal devem atuar, de forma efetiva, nesse debate para a adoção de medidas eficazes de redução da violência nas grandes cidades. “É preciso reconhecer que a violência está presente nas grandes cidades brasileiras, mas Goiânia registra índices de desigualdades sociais preocupantes.”
O professor de Sociologia e Ciência Política da PUC-GO, Sílvio Costa, também concorda com Francisco Chagas Ribeiro, que a raiz da existência da violência urbana está nas “desigualdades sociais” no Brasil. “Os governos precisam cumprir o seu papel constitucional de combater a violência, mas a origem do problema está nas desigualdades sociais. É hora de pensar em investir mais na educação, na saúde, em permitir ao cidadão maior acesso ao lazer, à moradia com qualidade e também à mobilidade urbana, além de oportunidades de trabalho aos jovens.”
Sílvio Costa ressalta que grandes cidades brasileiras, como Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e agora Goiânia experimentam índices elevados de criminalidade. “A questão da segurança pública precisa ser tratada do ponto de vista político, econômico e social e não apenas com o aparelho repressor das polícias. É uma área complexa e de difícil solução e, assim sendo, exige da sociedade e dos poderes constituídos ampla mobilização, em busca de medidas que venham, efetivamente, definir políticas que reduzam a violência nas cidades. E esse debate tem que ser nacional.”
Wilson Ferreira da Cunha, professor de Ciência Política e Antropologia da PUC-GO, diz que a violência urbana é um fenômeno mais que nacional, internacional até. “Não se pode discutir a violência que apresenta índices mais elevados em Goiânia como se fosse uma questão local, pois o fenômeno extrapola Goiás e chega a todos as cidades e aos demais Estados. É algo que deve preocupar toda a sociedade brasileira, o governo federal, os estaduais e as prefeituras, o Judiciário e o Legislativo. As soluções devem ser amplas, envolvendo o conjunto da sociedade, com políticas públicas de inclusão, principalmente nas áreas de educação, de moradia, de saúde pública e de geração de empregos.”
O professor Wilson Ferreira lembra que discutir os assassinatos de mulheres em Goiânia como um “fenômeno local” de “descontrole da segurança pública” é não ter responsabilidade com o debate. Para ilustrar o seu raciocínio, ele cita que, em 2013, 56 mil mortes a bala ocorreram no Brasil, 46 mil pessoas morreram no trânsito das cidades do País. “Esses números revelam que a há um descontrole em todo o País em relação à criminalidade e à violência urbana. É preciso uma operação-tarefa, envolvendo toda a sociedade brasileira, os governos em todos os níveis, o Judiciário e o Legislativo para se reagir, com medidas eficazes, tendo como raiz a inclusão social, para a redução da violência no Brasil.”
Maria Aparecia (Cida) Skoruspski, professora de Ciência Política e Antropologia da PUC-GO, declara que a violência urbana grassa por todo o País, sem exceção, exatamente pela falta de políticas públicas de inclusão social. “Se Goiânia vive esse momento delicado, com aumento de crimes contra as mulheres, não pode ser dizer que é um fenômeno meramente local, porque o Mapa da Violência, recém-divulgado pelo Ministério da Justiça, mostra a inoperância de se combater a violência pelo País afora.”
A professora pontua que os números mostram que o Brasil tem falhado na política de inclusão social, o que, para ela, contribui para aprofundar as “desigualdades” e, consequentemente, aumenta a violência urbana. “O dia em que o País priorizar ações voltadas para melhorar a educação, a saúde, a qualificação da mão de obra, com maiores oportunidades aos jovens, chegará a hora de ser reduzida a violência nos grandes centros urbanos”, finaliza.
Pezão defende que cada Estado tenha seu Código Penal
O atual governador do Rio de Janeiro e concorrente à reeleição, Luiz Fernando Pezão (PMDB), defendeu que cada Estado tenha um Código Penal específico, citando como exemplo as diferenças entre a segurança pública no Rio de Janeiro e em Estados como Rondônia, Roraima e Acre. “Pelo menos para o Sudeste, (...) a gente não pode ter o mesmo Código Penal no Rio de Janeiro assim como temos em Rondônia, em Roraima e no Acre. Assim como não podemos ter o Código Florestal da Amazônia aqui, para a cidade do Rio de Janeiro”, afirma.
O governador, que se disse favorável à redução da maioridade penal em casos de crimes hediondos, declarou ainda que a discussão sobre a legislação tem que ser feita pelo Congresso. “Eu tenho que hoje obedecer à lei, ao que o Congresso Nacional determina”, afirmou.
Mudanças na legislação
Já o governador Marconi Perillo voltou a defender drásticas mudanças na Lei de Execuções Penais e um maior comprometimento dos governos federal e estaduais e os municípios, nos investimentos na área de segurança pública. O governador reafirmou que a criminalidade se combate com ação. “Não vamos resolver nada apenas no discurso fácil. Tem que haver uma ação conjunta dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, salientou.
Para ilustrar o que chamou de “legislação frouxa”, Marconi referiu-se a um levantamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás que mostrou, em números, o alto grau de reincidência dos criminosos. “Os 100 crimes mais graves cometidos em Goiás foram praticados pelos mesmos criminosos, alguns com mais de uma dezena de reincidência. Ou seja, a polícia prende, mas a Justiça solta.”
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