4 de setembro de 2011

Você comeria carne de proveta? Marcelo Gleiser






Quem tiver problemas em comer carne produzida em laboratório deveria visitar um matadouro



Imagine que um dia você vai ao supermercado e encontra, junto aos cortes usuais de carne e galinha, carnes produzidas em laboratório.
Um pouco adiante, vê filés de peixe, também criados artificialmente. Um rótulo amarelo distingue os dois tipos de carne: "natural" e "artificial". Qual você escolheria?
Mesmo que cientistas garantam que não há diferença hormonal, nutricional ou molecular entre os dois tipos de carne, tenho certeza de que a maioria escolheria carnes naturais. Por que isso?
Pode ser por ecos do que chamo de Síndrome de Frankenstein, o medo irracional de que a ciência foi mais longe do que deveria. Porém, se podemos cultivar vegetais, por que não carnes?
Se isso parece coisa de ficção cientifica, pense de novo. Dezenas de laboratórios estão tentando cultivar carne, partindo de amostras de células musculares (que é o principal do que comemos na carne) alimentadas em soluções que induzem a sua proliferação. Em 1999, o holandês Willem van Eelen registrou patentes internacionais da "produção industrial de carne usando culturas celulares".
Após muito esforço, van Eelen convenceu o governo holandês a financiar projetos de pesquisa em três universidades, visando aprimorar o desenvolvimento de tecido muscular em laboratório.
"Se bilhões de pessoas parassem de comer animais, que ótimo seria oferecer-lhes carnes obtidas sem o horror do matadouro, dos caminhões, das mutilações, da dor e do sofrimento causados pela produção industrial de carnes", afirmou Ingrid Newkirk, cofundadora e presidente da fundação Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético de Animais).
Imagino que Newkirk seja a inimiga número um dos produtores de carne. De minha parte, escrever estas linhas reafirma meu compromisso em ser vegetariano.
Fora as vantagens éticas, existem inúmeras vantagens ambientais: a agropecuária consome quantidades enormes de recursos naturais, da água à energia, fora o desmatamento incluído no pacote.
Quem tiver problemas em comer carnes feitas em laboratório deveria visitar um matadouro e comparar os dois.
Portanto, a possibilidade parece ser óbvia. Supondo que a carne in vitro seja uma realidade num futuro próximo, quantas pessoas estariam dispostas a comê-la? Note que o processo não envolve qualquer manipulação genética, não tendo nada de transgênico.
A questão envolve a credibilidade da ciência e a sua percepção popular. Quem vai acreditar nos cientistas que trabalham para a indústria de carnes artificiais?
Como temos visto com a questão do aquecimento global, os dias em que pessoas equiparavam ciência à verdade já estão longe.
As coisas se complicam quando os cientistas trabalham para empresas privadas. Pense na diferença entre o depoimento de um especialista em câncer de um hospital e o de outro que trabalhe para uma indústria de cigarros.
Por outro lado, dado que o consumo mundial de carne é de 285 milhões de toneladas por ano, o potencial econômico é gigantesco, mesmo que só uma fração do público esteja disposta a comer carne de proveta.
Alguns cientistas creem que essa seja a solução para o problema da fome mundial: carne artificial, barata e nutritiva. Outros querem só ganhar dinheiro.
Espera-se que cientistas do governo informem o público das vantagens e desvantagens da carne artificial. Enquanto isso, talvez seja hora de você repensar seus hábitos alimentares.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:http://goo.gl/93dHI

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