18 de setembro de 2012

ROSELY SAYÃO Escolas surdas


Folha de S.Paulo, 18/9/2012

Ainda não faz parte da nossa cultura escolar levar o estudante a sério e escutar o que ele tem a dizer
Creio que quase todo mundo acompanhou o feito de Isadora Faber, uma aluna de 13 anos que, por meio de uma rede social, colocou em evidência suas reclamações sobre a escola que frequenta.
A iniciativa da garota gerou uma enorme repercussão social: reportagens em todos os tipos de mídia, produção de análises... Em sua página, Isadora conseguiu milhares de seguidores que compartilham suas publicações, com ou sem fotos e vídeos.
O que esse fato pode nos fazer pensar? Isadora nos deu uma excelente oportunidade para refletirmos a respeito de algumas questões. Quero ressaltar uma delas: a falta de voz dos nossos alunos nas escolas. Em todas, é importante assinalar: nas públicas -como no caso de Isadora- e nas particulares.
Você já se perguntou por que tantos pais comparecem às escolas tantas vezes?
Claro que muitos vão porque têm uma ânsia enorme, exagerada até, de participar da vida escolar do filho; querem evitar que ele sofra pequenas injustiças que costumam acontecer no espaço escolar e, principalmente, querem garantir a todo custo um excelente desempenho do filho na vida escolar.
Mas muitos vão porque percebem, com clareza ou às vezes só por intuição, que os alunos -seus filhos- podem ter muito o que dizer na escola, mas dificilmente serão escutados, levados a sério. E note, caro leitor: eu disse escutados, e não atendidos.
A esse respeito tenho um bom exemplo contado por uma mãe. Sua filha de nove anos precisou faltar um dia porque os pais tiveram de viajar repentinamente para resolver um problema familiar e a levaram junto com eles. Só que, justo nesse dia, havia um trabalho para ser entregue.
No dia seguinte, a filha foi à aula, explicou o ocorrido à professora e pediu para entregar o trabalho fora do prazo. A mãe da garota já havia alertado a filha de que ela poderia ter de arcar com alguma consequência pela entrega atrasada da tarefa, mas que isso seria justo.
A professora não quis aceitar o trabalho e ainda respondeu ao pedido da menina fazendo um comentário irônico, que insinuava o caráter "providencial" daquela viagem familiar.
Em casa, a menina contou à mãe o ocorrido e esta decidiu reagir. Foi à escola e conversou com a professora que, prontamente, aceitou o trabalho atrasado da aluna.
Por que é que a situação só se resolveu com a palavra da mãe, se esta apenas repetiu o que a aluna já havia dito? Porque não faz parte da cultura escolar ouvir aquilo que os seus alunos têm a dizer a respeito de aspectos de sua vida de estudante.
Não foi isso o que aconteceu com Isadora? Por que muitas de suas reclamações finalmente foram consideradas legítimas e passaram a ser atendidas? Foi a fala da aluna na rede social que mobilizou a administração escolar a tomar providências e atender suas demandas?
Não, caro leitor. Foi a reação dos seguidores de Isadora na rede, em sua maioria adultos, e não estudantes como ela. As pressões efetivas foram a deles e a da mídia -voz adulta-, que conseguiram legitimar o "Diário de Classe" de Isadora.
Isso nos mostra que temos duas tarefas importantes a realizar. A primeira é a tarefa de cobrar a escola para que ela ensine seus alunos a ter participação ativa no próprio processo escolar. É um direito deles que precisamos garantir.
Muitos alunos falam apenas bobagens, pedem futilidades? Sim, claro. Por isso é preciso que a escola ensine aos estudantes o significado verdadeiro de participar.
Outra tarefa é a de renunciar a falar pelo filho no ambiente da escola. Em vez disso, precisamos encorajar o filho a falar por ele mesmo e cobrar da escola que resolva os problemas diretamente com os alunos.
Já é um bom começo no processo de tornar os alunos protagonistas de sua vida escolar, não é?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

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