20 de novembro de 2012

BENJAMIN STEINBRUCH Manter o moral


Folha de S.Paulo, 20/11/2012
As preocupações do país não justificam a volta de manifestações do velho complexo de inferioridade
Durante décadas, muito se falou a respeito da ausência de autoestima do brasileiro. Ficou célebre a expressão "complexo de vira-latas", cunhada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues depois que o Brasil perdeu a Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai, em pleno Maracanã.
Eu mesmo já abordei o tema neste espaço, comentando que o complexo de inferioridade do brasileiro prejudicava demais o país, porque as pessoas não acreditavam em perspectivas de melhora tanto na vida pessoal quanto no trabalho. Sem elevada autoestima, eram mais raras as atitudes corajosas, faltava segurança em relação ao futuro e não havia muita motivação para realizações pessoais e para empreender na área de negócios.
Felizmente, isso mudou a partir do início deste século. Por ironia, uma parte do estímulo para que os brasileiros superassem o complexo de vira-latas veio do exterior. Como integrante do bloco dos Brics, acróstico criado por um trabalho dos economistas do Goldman Sachs, o Brasil passou a ser olhado como potência emergente, ao lado de China, Índia e Rússia. A prestigiosa revista "Economist" fez recentemente uma capa que mostrava o Cristo Redentor decolando como um foguete.
Quem costuma viajar ao exterior, fazendo turismo ou negócios, sabe como mudou para melhor a imagem do Brasil lá fora. Mas a volta da autoestima do brasileiro ocorreu também por méritos próprios. E uma das razões foi o aumento do emprego, que é o maior trunfo para elevar a confiança em si mesmo. Quando está desempregado, um chefe de família perde totalmente a dignidade humana, porque não pode honrar compromissos, cuidar adequadamente da família e prover educação, alimentação e saúde aos filhos.
A queda do desemprego, portanto, uma magnífica conquista da sociedade brasileira nos últimos anos, tem tudo a ver com a melhora da autoestima dos brasileiros. O índice de desemprego estava em 5,4% em setembro, uma das menores taxas desde que se passou a fazer pesquisas sistemáticas sobre o tema no país.
Ao se aproximar o fim do ano, abordo o tema da autoestima porque o país viveu um ano de baixo crescimento econômico -o PIB deve avançar apenas 1,5% neste ano- e os elogios dos estrangeiros ao Brasil já não são tão frequentes quanto antes. Internamente, também já aparece um certo pessimismo que considero injustificável, porque, apesar do desaquecimento, os níveis de emprego estão sendo preservados e até continuam a aumentar. Cerca de 1,8 milhão de vagas devem ser criadas neste ano.
Sem dúvida, há desafios pela frente. A crise global não dá trégua e parece longe de uma solução na União Europeia, que voltou à recessão no terceiro trimestre.
No Brasil, os investimentos continuam fracos tanto no setor público quanto no privado, travados até mais por problemas de gestão e burocracias do que por falta de recursos. A infraestrutura inadequada reduz a competitividade da produção em geral. A indústria parou de crescer, por perda de produtividade e pela invasão de itens importados, muitos deles fabricados com subsídios em seus países de origem.
Na educação e na saúde, os desafios continuam enormes. A insegurança nas grandes cidades é aflitiva, apesar dos esforços das autoridades nessa área.
Tudo isso é razão para preocupações com o país no médio prazo. Com toda a certeza, porém, não justifica a volta de manifestações do velho complexo de inferioridade.
O pior que poderia acontecer para o país neste momento seria a perda de autoestima e a retomada de atitudes do tempo do complexo de vira-latas. Atitude corajosa de crença em si mesmo e no país é o que se espera do brasileiro, no governo ou no setor privado.
Afinal, quase cinco anos já se passaram desde o início da grande crise mundial, a maior desde os anos 1930, e o Brasil continua em pé. Não há razão para perder a autoestima, até porque vêm aí grandes eventos, como a Copa e a Olimpíada, em que o país será protagonista.
No rastro da baixa autoestima em geral prosperam o conservadorismo econômico e o racionalismo frio de economistas que consideram a recessão como um sofrimento necessário. Algo como o que se vê hoje em parte da Europa e que não queremos para o Brasil.

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