21 de novembro de 2012

Escolas excluem alunos de passeio cultural



Sem vagas suficientes, professores e diretores da rede estadual têm de selecionar quem visita museus e exposições
'Os estudantes ficam frustrados e, nós, muito mais', diz docente; prática contraria regras do governo paulista
NATÁLIA CANCIANREYNALDO TUROLLO JR.DE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 21/11/2012

Com número de vagas em passeios insuficiente para atender a todos os alunos, professores e diretores de escolas estaduais de São Paulo se veem obrigados a excluir parte dos estudantes de visitas a museus e exposições.
Pelas normas do programa Lugares de Aprender, o maior da pasta nessa modalidade, cada visita contempla 40 alunos. As regras dizem que, em uma visita, devem ser levados todos os alunos de uma classe, "sem distinção".
Mas, na prática, isso não acontece. Nas últimas cinco semanas, a Folha conversou com dezenas de professores de escolas estaduais de 14 cidades, que relataram ser comum alunos de uma mesma sala serem preteridos do passeio. Os escolhidos geralmente são os que têm as melhores notas ou bom comportamento.
Segundo os professores, isso ocorre porque a secretaria costuma ofertar só um ônibus para uma determinada série de uma escola.
Assim, para levar alunos das quatro salas da oitava série à Bienal, por exemplo, docentes selecionam dez de cada classe. Os demais ficam de fora.
"Já chegam com a lista dos alunos pronta. Vão sempre os mesmos. E aí os outros pensam: 'Por que vou me interessar?'", afirma a aluna do ensino médio Mayara Cardoso, 18, da zona leste da capital, que diz ter sido preterida.
Em Santo André, a mãe de um aluno de 15 anos chamou de "absurda" a exclusão do filho de um passeio neste ano, também à Bienal. Ele já havia sido excluído de outro dois anos atrás. Neste ano, segundo relato do aluno à Folha, a escola teve de selecionar 40 alunos de três classes do primeiro ano do ensino médio.
A reportagem contatou professores, alunos e pais por telefone e pessoalmente, durante visitas à Bienal de São Paulo e ao Catavento Cultural, ambos na capital. De todos ouviu relatos semelhantes sobre exclusão de alunos. A maioria pediu para ter seus nomes e os das escolas preservados.
EXCLUSÃO AUTOMÁTICA
Quando a sala tem mais de 40 alunos, o excedente está automaticamente excluído.
Nesses casos, de acordo com uma professora de Pirajuí (a 384 km de São Paulo), costuma-se deixar de fora os que faltaram à aula no dia do anúncio do passeio.
Mesmo escolas que tentam cumprir as normas, levando uma classe inteira por vez, recebem queixas. "Por que a escola leva sempre só o 1º ano A? Minha filha nunca foi", diz Alexandra Wolf, 42, mãe de aluna do 1º ano D de escola de Santo André (Grande São Paulo).
"A moral da história é essa: escolha", diz uma professora de Ribeirão Pires (Grande São Paulo). "Os alunos ficam frustrados e, nós, muito mais."
Conforme um professor de artes de São José dos Campos (a 97 km de São Paulo), a escola em que ele leciona faz uma lista dos "alunos de destaque", que são "convidados" para os eventos extraclasse.
"Já aconteceu de aluno que não foi [ao passeio] estudar mais, para ir no próximo", diz.
Mas para Neide Noffs, da Faculdade de Educação da PUC-SP, nem sempre o aluno entende o critério. "O excluído fica com uma mágoa que pode prejudicar seu rendimento."
Neste ano, 852 mil participaram do programa; a rede tem 4,3 milhões de alunos.



Defesa dos passeios não é unânime entre educadores
FÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULO
A própria coordenação do projeto já detectou que há dificuldades. Tanto que, em março deste ano, foi publicada uma orientação técnica a respeito
As excursões são motivo de antiga controvérsia nas escolas. Algumas das dúvidas são se vale "perder" um dia de aula; se o passeio tem utilidade pedagógica; e o que será feito com quem não participar.
A defesa dos passeios não é unânime entre educadores.
Em meio à polêmica, escolas particulares e públicas tendem a avaliar que vale a pena deixar um pouco a lousa de lado e levar os estudantes para terem contato com um "conhecimento vivo".
Aí, surgem as dificuldades de execução. Na rede estadual paulista, por exemplo, são 4,3 milhões de alunos, contingente maior que a população de Buenos Aires.
Dúvidas que surgem: quais escolas serão beneficiadas? E, dentro delas (que em média têm quase 800 alunos cada uma), quem será escolhido?
O programa estadual Lugares de Aprender não fixa parâmetros rígidos para a seleção. Explicitamente, veta apenas que alunos com notas baixas sejam preteridos.
Mas a própria coordenação do projeto já detectou que há dificuldades na seleção.
Tanto que, em março deste ano, foi publicada uma orientação técnica a respeito.
Como "proposta", sugere-se que sejam priorizadas as "escolas carentes e mais distantes". Focar os colégios com piores condições tem sido um dos pilares de políticas de diversos partidos, incluindo PT e PSDB.
Outra sugestão da coordenação é que, escolhida a escola, busque-se levar todas as turmas dessa unidade.
Em resumo, no papel, o programa sugere que tenham prioridade as escolas com mais dificuldades; que todos os alunos desses colégios sejam beneficiados; e, se for necessária alguma seleção, que não sejam prejudicados os estudantes mais atrasados.
A apuração da Folha, porém, aponta que os sensatos critérios sugeridos não têm sido adotados na prática.
Nesse ponto, um problema histórico da rede estadual fica em evidência: a dificuldade de fazer com que uma ideia bolada num núcleo de gestão seja efetivamente praticada em mais de 4.000 colégios.


OUTRO LADO
Governo apura problemas e pretende ampliar programa
Secretaria diz que número de alunos beneficiados aumentou de 160 mil, em 2008, para 852 mil neste ano
DE SÃO PAULOA Secretaria da Educação de São Paulo afirma que o uso de critérios como nota e comportamento para selecionar alunos para passeios é contrário às regras do programa e que vai apurar "quaisquer irregularidades para que sejam adotadas as medidas cabíveis".
Segundo o governo, o número de alunos beneficiados aumentou de 160 mil, em 2008, para 852 mil neste ano. A rede estadual tem 4,3 milhões de alunos matriculados.
Para 2013, a pasta diz ter a perspectiva de "aumentar o número de parcerias com espaços culturais e, se possível, ampliar a quantidade de estudantes por visita".
Por meio de nota da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), responsável pelo Lugares de Aprender, a pasta diz que orienta alunos e professores "a procurar as diretorias de ensino para informar sobre problemas no desenvolvimento das atividades do programa".
As diretorias regionais são orientadas a organizar as ações "de modo que todos os estudantes de uma mesma classe participem das atividades".
A secretaria diz que a necessidade de mais de 40 vagas por classe é "atípica" e que, quando ocorre, são contratados veículos extras.
E que só existe o limite de 40 alunos por passeio porque instituições como museus oferecem número restrito de vagas. "As instituições recebem um número de visitantes de acordo com sua capacidade, em média, de 40 estudantes e dois docentes."
A nota afirma também que "a única razão pela qual um estudante pode deixar de participar das visitas didáticas é a não anuência de seus pais".
Com base no direito ao sigilo da fonte previsto na Constituição, a Folha informou à fundação que, a pedido de alunos, professores e diretores, que temem represálias, não divulgaria as escolas dos entrevistados.
"A FDE lamenta que o jornal tenha se negado a informar em quais e quantas escolas haveria problemas. Com essa omissão, a Folha contribui para a manutenção de supostas práticas contrárias às regras do programa."

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