18 de novembro de 2012

Gerd Leonhard

Folha de S.Paulo, 18/11/2012
EntrEVISTA GERD LEONHARD
'Brasil não deve copiar modelo dos EUA'
Para futurólogo alemão, país tem chance de liderar em áreas como tecnologia verde, direitos autorais e liberdade da internet
Eduardo Knapp/Folhapress
Gerd Leonhard, que esteve em São Paulo no começo deste mês
Gerd Leonhard, que esteve em São Paulo no começo deste mês

DE SÃO PAULOO Brasil ainda está no início de sua "espiral de crescimento" e, por isso, ainda tem chances de apresentar ao mundo um novo modelo de desenvolvimento econômico.
A análise é do pensador alemão Gerd Leonhard, 52, considerado um dos principais futurólogos da atualidade pelo jornal "Wall Street Journal" e autor de cinco livros sobre o futuro das indústrias da mídia e dos negócios.
"Copiar o modelo adotado pelos Estados Unidos nos anos 80 não vai funcionar no novo cenário de negócios, onde tudo está globalmente conectado", afirma Leonhard, em entrevista à Folha durante visita recente ao Brasil.
Segundo ele, o país pode criar modelos mais sustentáveis de crescimento, que envolvem não apenas a vanguarda em áreas como tecnologias "verdes", mas também temas como direitos autorais e liberdade da internet.
Leia a seguir os principais trechos da conversa.
(MARIANNA ARAGÃO)
-
Folha - Muita coisa mudou na indústria da mídia desde o seu primeiro livro, de 2005, que fala sobre o futuro da música. Quais foram as principais mudanças?
Gerd Leonhard - Uma das principais mudanças foi que os dispositivos móveis tomaram conta da internet. No Brasil, vai haver 100 milhões de pessoas conectadas à web com esses aparelhos até 2015 e o mesmo ocorre na Rússia, na China e na Indonésia.
Isso dá poder de consumo a essas pessoas e muda a forma de comunicação, por exemplo. As redes sociais têm se desenvolvido e se tornado a principal plataforma de comunicação no mundo.
Não é à toa que o Facebook se tornou o que é. Ele tem 1 bilhão de usuários e perfis profundos sobre eles. São ativos valiosíssimos, que dão à empresa a oportunidade de criar um novo sistema social.
Por isso acredito que o Facebook vai ser maior do que o Google em breve.
Como as empresas do setor conseguirão lucrar nesse novo cenário?
O grande problema é que, naturalmente, há uma redução do valor da mídia no meio digital em relação ao físico. Geralmente, as pessoas estão dispostas, no digital, a pagar apenas um décimo do que pagam pelo impresso. É uma redução dramática.
Por que isso ocorre?
Porque a percepção sobre a propriedade intelectual física é totalmente diferente da do digital. Quando assisto um vídeo na internet, via "streaming" [transmissão em tempo real], não tenho a mesma sensação de propriedade do que quando compro um DVD. Isso é inevitável.
O que precisamos fazer é criar grande economia e eficiência na produção e na distribuição de mídia de forma a reduzir os custos e, depois, encontrar novas formas de monetizar o digital.
As empresas de outros setores também precisarão migrar para o digital?
Sim. A transição para o digital, que ocorreu apenas no espaço do consumidor, do consumo de mídia, de música ou de filme, passa a afetar também o ambiente das empresas, de diversos setores: saúde, educação, financeiro.
Já vemos isso ocorrer com as companhias que usam ferramentas de colaboração on-line para buscar soluções para seus negócios.
Estratégias como essas serão cada vez mais comuns no mundo dos negócios.
O que o Brasil precisa fazer para se tornar um líder global realmente?
O que aconteceu no Brasil nos últimos cinco anos foi fantástico. O ponto principal para o país agora é resistir à tentação de copiar os Estados Unidos, onde a crença em lucro e crescimento é tudo. Porque não é.
Hoje, podemos ver que isso não funciona. Crescemos, construímos, gastamos e lucramos cada vez mais, mas isso não tem se traduzido em uma sociedade mais igualitária e sustentável. Esse espiral de crescimento vai até o topo, mas entra em colapso.
Como podemos começar a buscar esse caminho?
O Brasil ainda está no início da trajetória de crescimento. Por isso, tem uma oportunidade única de criar um modelo de crescimento "brasileiro". Investir, por exemplo, em ecoturismo, energias renováveis, carros elétricos, educação digital.
O país poderia ter uma lei inovadora, que definisse regras para o uso de conteúdo na internet ou a legalização dos downloads.
O Brasil discute neste momento o marco civil da internet. Quais direitos devem ser preservados nessa legislação?
A premissa básica da internet é mantê-la aberta, transparente e acessível a todos. Por isso a neutralidade da rede é um tema crucial. O certo a se fazer é manter a legislação de uma forma que isso seja preservado.
É preciso criar um sistema de licenciamento que legalize e monetize o conteúdo na internet, em vez de apenas tornar ilegal e criminalizar o usuário. Esse é o único caminho que faz sentido e que não representa uma regressão ao velho mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário