9 de novembro de 2012

Prestígio da educação profissional depende de mudança de mentalidade



Ensino fundamental e médio direcionam jovens para a graduação, mas necessidade do mercado de trabalho reflete outra realidade

09 de novembro de 2012 |

No Brasil, menos de 15% dos jovens entre 18 e 24 anos chegam às universidades, de acordo com o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do Ministério da Educação. Ou seja: dos 24 milhões de jovens brasileiros, apenas 3,4 milhões buscam a graduação. O restante, mais de 20 milhões, tem de buscar outros caminhos. Em outra via, todos os setores da economia - indústria, comércio, serviços e agropecuária - apresentam demanda crescente por técnicos. Ha vagas no País, mas faltam profissionais qualificados e com conhecimentos específicos para preenchê-las.
Por isso, a educação profissional no País precisa ser reforçada em um ritmo mais acelerado, defende Rafael Lucchesi, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), para quem o modelo educacional brasileiro é muito focado na rede regular. O conteúdo dos ensinos fundamental e médio direciona os alunos para a universidade, diz. "Como menos de15% dos jovens brasileiros vão para o ensino superior, milhares de estudantes ficam sem projeto de inserção no mercado de trabalho."
Esse é um cenário que começa a mudar. Apesar de ainda baixo, o número de jovens no ensino técnico de nível médio tem avançado. De acordo com Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2004 a participação dos jovens entre 15 e 17 anos era de apenas 3% nas seis maiores regiões metropolitanas do País. Hoje, já é de 7,6%. "É o que chamamos de onda jovem, estimulada por políticas de ensino estaduais e iniciativas do setor privado, o que antecede o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) do governo federal", explica.
Principalmente os jovens da classe C passaram a se qualificar. "Quando os jovens partem para os processos de seleção das empresas, percebem que são muitas as exigências. Muitos buscam mais conhecimento, se matriculam em cursos", acrescenta Luiz Gonzaga Bertelli, presidente do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee).
Modelagem atual. Tradicionalmente, o ensino profissional técnico e os programas de qualificação são oferecidos por escolas particulares e pelo Sistema S, que, apesar de contar com recursos públicos - as contribuições compulsórias de empresas -, é comandado pelo patronato. Por um acordo firmado com o MEC em 2008, as entidades do Sistema S se comprometeram a destinar parcelas significativas de suas receitas aos cursos gratuitos, seguindo metas progressivas até 2014. No caso do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), dois terços do arrecadado terá essa destinação.
"Na formação de técnicos no País, 56% das matrículas estão nas mãos do setor privado; o restante, na esfera pública. Isso mostra que o Estado delegou à iniciativa privada a formação dos trabalhadores técnicos brasileiros", afirma Aparecida Neri de Souza, professora de Sociologia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com base em dados recentes do Inep. Os governos, explica ela, trabalham na ampliação de suas redes e, em muitos casos, articulados com as instituições privadas e o Sistema S. Dessa forma, o financiamento vem do poder público, mas o ensino é organizado pelas organizações privadas.
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) do governo federal já soma vagas gratuitas no ensino técnico de nível médio e nos cursos de qualificação de trabalhadores. "Hoje isso se dá mais nos cursos de formação inicial e continuada. A oferta de vagas em cursos técnicos ainda é pequena, mas esperamos que aumente", afirma Almério Araújo, coordenador de Ensino Técnico e Médio do Centro Paula Souza do governo do Estado de São Paulo.
No Brasil, empresas e governos se mobilizam para reverter a situação, acrescenta Antonio Freitas, pró-reitor de Ensino da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e conselheiro da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro (Faetec). "O País é a sexta economia, mas o 60.º em educação e o 80.º em inovação, o que é inconcebível ", diz o professor. Ele considera importante o lançamento do Programa Ciência sem Fronteiras do governo federal, no qual serão oferecidas 101 mil bolsas ao longo de quatro anos, associadas às ao ensino superior tecnológico e às áreas de engenharia, ciências exatas e biomédicas. O objetivo é que os estudantes tenham acesso às inovações tecnológicas. Além disso, o programa busca atrair pesquisadores do exterior que queiram se fixar no Brasil ou estabelecer parcerias com os pesquisadores brasileiros.
Defasagens. Na visão de especialistas, o aumento da oferta de ensino técnico deve ser feito seguindo padrões de qualidade no âmbito pedagógico e com base no diálogo com as empresas. "Os cursos devem estar alinhados com as necessidades do mercado", comenta Ana Luiza Kuller, coordenadora de Educação do Senac-SP.
Outro desafio é suprir as defasagens da educação básica em português, matemática e ciências. "Cada instituição se organiza para resolver esse problema. Há uma série de opções para que os alunos aprendam o que deveriam ter aprendido na educação básica e possam acompanhar os cursos", explica Ana Luiza. E não é só: a professora da Unicamp Aparecida Neri de Souza lembra ainda que 10% dos brasileiros são analfabetos.
"O que se espera é que todos os brasileiros consigam terminar pelo menos o ensino médio. Existem cursos gratuitos de formação inicial que dão oportunidade de trabalho a essas pessoas que não tiveram acesso à educação", acrescenta o professor Antonio Freitas, da FGV-RJ.
Mudança de paradigma. Por muitos anos, o ensino técnico foi preterido no País. "A sociedade brasileira ainda tem a crença que a formação universitária é a base. Nossa escola tem um modelo academicista, não tem a lógica voltada ao mundo do trabalho. Isso acaba sendo uma limitação", enfatiza Lucchesi. Os jovens precisam conhecer mais as oportunidades que se abrem, derrubando esse paradigma, diz ele, citando pesquisa do Senai que indica que as remunerações de técnicos superam as oferecidas a diversas ocupações universitárias no Brasil.
"As ocupações técnicas empregam mais e apresentam bons salários. E os jovens têm a chance de ingressar cedo no mercado de trabalho e custear novos estudos", afirma Anna Beatriz Waehneldt, diretora de Educação Profissional do Senac Nacional.
Estudos revelam que os ganhos salariais após cursos de educação profissional são de 1,4% a 12% para formação inicial, de acordo com as áreas; em torno de 14% para cursos técnicos de nível médio e de 24% para tecnólogos. "Os retornos não são desprezíveis, mas pouco conhecidos", conclui Marcelo Neri, presidente do Ipea.



'Ensino profissional garante uma carreira estável e bem paga'

Para diretor-geral do Senai, formação técnica abre oportunidades e eleva a produtividade das empresas

09 de novembro de 2012 
DANIELA ROCHA , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo
O modelo educacional brasileiro está longe do que se vê nos países desenvolvidos e mesmo de outros emergentes. Apesar de recentes avanços, o País ainda privilegia muito a educação regular em detrimento da profissionalizante. A avaliação é de Rafael Lucchesi, presidente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em entrevista ao Estado. Segundo ele, o investimento em formação técnica ajuda a elevar a produtividade das empresas.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o sr. vê o modelo educacional brasileiro?
Estamos muito centrados na educação regular em vez do ensino profissional. Apenas 6,6% dos brasileiros entre 15 e 19 anos optam pela educação profissional técnica de nível médio. A média dos 34 países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 42%. Na Alemanha, a média é de 53% e na Coreia do Sul e França, de mais de 40%. No Japão, o índice é de 55%. Também temos baixa qualidade no ensino básico (fundamental e médio), situação que precisa mudar. No ranking da OCDE, o Brasil aparece na 53.ª posição em um painel de 65 nações.
O ensino em outros países bem posicionados nesse ranking é mais direcionado ao ambiente de negócios?
A abrangência do ensino universitário é acima do brasileiro. Temos só 14% da população no ensino superior, para uma média de 40%. Mas a grande diferença é o fato de haver um grande contingente de jovens que fazem a educação geral de nível médio com a educação profissionalizante. Isso cria um mercado de trabalho mais funcional. No ambiente de negócios, há necessidade de profissionais com formação universitária, mas também são requisitados técnicos e operadores.
Que ações existem para ampliar a estrutura educacional?
Os governos estaduais têm ampliado os programas de educação profissional. São Paulo está aumentando a capacidade de atendimento do Centro Paula Souza de escolas técnicas. O governo federal também está expandindo sua rede de escolas e estruturou o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) para aumentar notavelmente a oferta de cursos técnicos de nível médio, assim como os de formação inicial e continuada. O Sistema S vem aumentando consideravelmente o número de matrículas. O Senai está dobrando o número de matrículas até 2014. Até lá serão 4 milhões de matrículas por ano.
Como o sr. avalia o Pronatec?
É uma política muito bem concebida. Mobiliza um conjunto de atores - redes públicas federal e estaduais, rede de ensino privado e o Sistema S. Busca ampliar de forma ágil as vagas para jovens na formação técnica de nível médio e aumentar a oferta de cursos de qualificação de curta duração, com cargas horárias de 200 a 400 horas, para formação de eletricistas, operadores de máquinas industriais, cozinheiros, soldadores e torneiros mecânicos. O Fundo de Financiamento Estudantil é uma ideia bem estruturada que faz parte do Pronatec, baseado no mesmo modelo que alargou a possibilidade de jovens carentes financiarem sua educação superior. Os jovens podem financiar a sua educação técnica e, além disso, as empresas que financiam processos de qualificação de seus funcionários também são beneficiadas com essa facilidade de acesso ao crédito a taxas baixas.
Como estimular os jovens a ingressarem no ensino técnico?
Fizemos um estudo considerando as 21 ocupações técnicas mais demandadas em 18 Estados e ficou constatado que o salário médio inicial é de R$ 2 mil. Com dez anos de carreira, o salário médio chega a R$ 6 mil. Ou seja, os técnicos têm remunerações superiores às oferecidas para muitas ocupações de nível universitário. É importante disseminar essa informação para que a juventude busque esses cursos. Hoje vemos uma onda de jovens de classe média que busca a educação profissional, mas esse número ainda pode aumentar muito. Há muita oportunidade para quem tem formação técnica. Muitos desses profissionais conseguem colocação no mercado de trabalho mais rapidamente do que bacharéis em Direito, por exemplo.
A formação técnica deve ser associada com a universitária?
Com certeza, uma não exclui a outra. O aluno com boa formação técnica de nível médio tem condições de seguir uma carreira sólida, e isso pode até orientar melhor a formação universitária dele posteriormente. Esse caminho pode corrigir um outro problema que temos no Brasil, que é o déficit de engenheiros. A cada 100 graduados, apenas 5 são engenheiros. Número muito menor do que o registrado em diversos países. No Japão, são 25 engenheiros a cada 100 formados. Na China, mais de 30. Temos enorme deficiência também quando comparamos o nosso sistema educacional universitário tecnológico com os de países desenvolvidos ou de diversas nações emergentes. Acredito que a juventude pode buscar na educação profissional técnica uma carreira estável e bem-remunerada. Com isso, vai conseguir melhores condições para prosseguir os estudos buscando uma graduação tecnológica.


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