Com as reformas dos anos noventas surgem e se convalidam um conjunto de programas de melhoria, tanto universais como destinados a grupos escolares e escolas específicas. Entre os primeiros, destacam-se os diferentes Programas de Melhoramento de Qualidade e Equidade, denominados Programas «mece» (por suas siglas), que ordenaram princípios, objetivo e estratégias dos sistemas regionais tanto no 1.º como no 2.º Grau. Paralelamente, consolidam-se diversos programas que atendem às populações mais carentes e vulneráveis, urbanas e rurais, fazendo-se cargo da necessidade de atender com mais apoios e diferentes recursos aos que iniciam ou percorrem a trajetória escolar em situação de desvantagem. Assim, sob critérios compensatórios ou de discriminação positiva (conforme se entenda e conceitualize a igualdade de oportunidades promovida), surgem diversos programas emblemáticos aqui e ali, tais como Escola Viva (Paraguai), Programa de Melhoramento da Qualidade da Educação Pré-escolar e Geral Básico (promece) da Costa Rica, o Programa de Melhoramento da Qualidade da Educação nas Escolas Básicas de Setores Pobres – Programa das 900 Escolas – (Chile), Escolas em Tempo Completo (Uruguai), Educo (El Salvador), Nova Escola Unitária (Guatemala), Bolsas Escolares (Brasil), Programa para Abater o Atraso na Educação na Educação Inicial e Básica – pareib – ou o Programa Escolas de Qualidade (México), entre tantos outros. Todos eles com o firme convencimento que a desejada qualidade e equidade requerem de «dar mais a quem tem menos» ou àqueles que destacam em desvantagem.
Estes programas fincam suas raízes no programa estelar na América Latina desde meados dos anos 70: A Escola Nova colombiana; e compartilham assim uma série de elementos básicos como o fortalecimento da autonomia das escolas, a ênfase no aspecto pedagógico, a potenciação da direção escolar, a necessidade da formação e o desenvolvimento profissional do professorado e a aposta pelo compromisso docente, o compromisso da comunidade e a melhoria das infraestruturas.
Já no fim dos anos noventas, a evidência que demonstravam os sistemas nacionais de avaliação da qualidade educativa era lapidária: escassos avanços em termos de qualidade e graves brechas entre os estudantes conforme níveis socioeconômicos e contextos geográficos. Os avanços iniciais nos rendimentos das populações mais vulneráveis e atendidas por estes programas focalizados mostraram ter limites e tetos, evidenciando, assim, que de uma forma ou outra, a mudança e a inovação só se referia aos ambientes e às condições para a aprendizagem, sem chegar a afetar o coração pedagógico. Desde modo, por certo, com matizes, as escolas na América Latina melhoraram sua infraestrutura, seus serviços básicos, seus equipamentos e sua disponibilidade de recursos; os docentes tiveram maior acesso a uma formação contínua de maior pertinência (atualização, aperfeiçoamento e capacitação); houve aumento de horas para a jornada escolar e programas de alimentação e saúde para os estudantes, entre outros.
A partir de tais resultados e evidências, começa-se a sentir, e com muita força, a incidência do movimento de Eficácia Escolar. Esta influência se reflete na prioridade que outorgam os sistemas educativos em provocar relevantes mudanças que façam de suas escolas, centros educativos eficazes mediante a intervenção nos principais fatores associados à aprendizagem, basicamente intra-escola. De uma ou outra forma, com ações e estratégias diferentes, os sistemas se organizam a fim de orientar a mudança para a melhoria, desde a eficácia escolar, marca que ainda se mantém e caracteriza as políticas de melhoramento educativo na América Latina. Atendem-se assim especialmente a gestão institucional, o clima escolar, a implementação e cobertura curricular, as praticas de planificação e a metodologia docente.
Apesar disso, a evidência que demonstram as avaliações nacionais continuam constatando sérios problemas de qualidade e, em alguns países e certos contextos, maiores brechas do rendimento entre os estudantes, conforme os níveis socioeconômicos e capitais culturais. A chegada do novo século encontra a região com uma clara opção de dar apoio externo aos processos de mudança em escolas com maiores dificuldades dentro das vulneráveis, à refocalização como estratégia de mudança e melhoria e à aposta pela assistência técnica em alianças público-privadas. Insiste-se na mudança como responsabilidade de todos – administrações, comunidades e sociedade civil –, com um novo olhar sobre o papel do Estado, retoma-se a ideia de redes de escolas e se observa com maior atenção o papel que desempenham e deverão desempenhar os governos, os políticos e os marcos regulatórios dos sistemas. Assim, e orientados pelo olhar da eficácia escolar, aprofundam-se em determinados fatores fundamentais que permitam maior autonomia institucional e pedagógica dos centros educativos, ao mesmo tempo em que suportes externos e internos assegurem a sustentabilidade da mudança no tempo.
No entanto, devemos ser realistas, a primeira década deste novo século, segue sem se muito auspicioso a respeito. Claramente não fomos capazes de encontrar a adequada equação entre justiça, educação e igualdade. Muito provavelmente devido a que esperamos obter justiça como consequência em vez de assumi-la como princípio. As políticas educativas são também políticas sociais. Uma escola que discrimina, que segrega e exclui, encontra razões em seu interior, mas principalmente numa sociedade injusta. Não é possível esperar ter uma educação mais justa, se só assumimos as práticas no interior das escolas. Parece que por fim estamos nos convencendo de que as verdadeiras políticas a favor da justiça em educação não podem ser somente remediais ou compensatórias. Sua lógica, princípio e fim são de justiça social, não de eficiência ou de estândares.
Talvez tenhamos necessidade de novas ideias. O pesquisador mexicano tristemente falecido, Pablo Latapí, dizia que era necessário que cada sistema educativo tivesse 10% de escolas “livres”. Escolas que não tivessem que estar limitadas pela normativa ou por tradições; mas sim que pusessem em funcionamento iniciativas que rompessem com a tradição, com o estabelecido, com o esperado, cujo único guia fosse uma educação com todos e para todos. Talvez, de alguma dessas experiências pudesse chegar esse ar novo que se necessita.
A mudança e a melhoria requerem hoje iniciativas de escolas e de políticas educativas que se ordenem a partir da e para a justiça social, assumindo, assim, as porfiadas e antigas iniquidades, assim como as novas desigualdades que irrompem no cenário educativo (acesso e uso de tic, a urbanização e migração indígena, segregação escolar, segmentação urbana e muitas outras). Políticas e ações de mudança e de melhoria que deverão concretizar a promessa de transformar seus sistemas escolares em espaços onde se aprenda a ser, a conviver com outros, a respeitar os outros e a aprender a aprender, espaços que colaborem na construção de uma nova sociedade, mais justa, mais equitativa e mais inclusiva.
Convidamos você a ler e a debater os artigos que fazem parte deste segundo monográfico, também a partir desses novos cenários e desafios, assim como a partir dos fatores da eficácia, das dinâmicas e dos processos de inovação e mudança, que nos oferecem importantes pistas para melhorar a aprendizagem e incrementar os desempenhos dos estudantes.
No primeiro artigo, Juan Carlos Tedesco, sem dúvida um dos referentes do cenário educativo regional, centra sua reflexão nos dois grandes pilares que deverão sustentar a educação básica do século xxi: aprender a viver juntos e aprender a aprender. Estes macro-objetivos respondem ao novo cenário socioeducativo que deverá tentar construir uma sociedade mais justa no interior da dinâmica do novo capitalismo. Estruturar e consolidar esses eixos tornam-se os principais desafios da mudança que deverão empreender as escolas e os professores. Em palavras do autor, a escola pode e deve responder à demanda social de compensação do déficit de experiências de socialização democrática que existe na sociedade. Assim, elas deverão ser estruturadas em torno de novos propósitos para suas praticas educativas, nas quais deverão ser priorizados objetivos de coesão social, de respeito ao diferente, de solidariedade, de resolução dos conflitos através do diálogo e de acordos, sobre o cognitivo, o currículo, ou a definição e avaliação do rendimento escolar através de estândares, entre outros. Por sua parte, os docentes terão de reelaborar seu papel para ensinar o ofício de aprender e, a partir deste ponto desenvolver nos estudantes a capacidade de produzir conhecimentos de ordem superior e de utilizá-los adequadamente. Falamos de conhecimentos sobre o conhecimento. Neste processo, o professor torna-se um mediador e acompanhante cognitivo. Sem dúvida, um provocador texto que vê nesta nova educação a possibilidade de avançar para sociedades mais coesas, justas e inclusivas.
O segundo artigo apresenta o processo e os resultados de uma ambiciosa pesquisa desenvolvida entre cinco equipes de investigação de outros tantos países da Iberoamérica cujo objetivo é propor um modelo de Melhoria da Eficácia Escolar ajustada às condições sociais e educativas da região. A partir de uma triple aproximação metodológica (um estudo comparado da legislação, uma revisão da literatura sobre Eficácia Escolar e a consulta a especialistas), as equipes de pesquisa coordenadas por F. Javier Murillo, autor do documento, propõem um modelo que pode contribuir para melhorar a qualidade e a eficácia das escolas da região.
Juan Manuel Escudero e Begoña Martínez, da Universidade de Múrcia, partem de um olhar crítico das propostas de mudança desenvolvidas na atualidade. Após uma apresentação que golpeia nossa consciência, defendendo que «agora todas as reformas se declaram inclusivas. No entanto, na realidade, a maioria delas não quer ou não é capazes de evitar a exclusão nem de freá-la. A democracia, a justiça e a equidade se usam frequentemente, mas sem combater como é devido as dinâmicas e as estruturas cujos resultados vulneram valores e princípios básicos». Sua proposta é defender uma concepção da educação inclusiva baseada nos direitos humanos, denunciar fraturas entre seus objetivos e a realidade de certos fatos, concretamente no ensino obrigatório espanhol, propor um par de explicações para compreender esse estado de coisas e, a modo de conclusões, assinalar algumas propostas.
A incorporação da avaliação como um componente central dos programas de apoio e de assistência técnica a escolas em contextos desfavorecidos, é a proposta que se desenvolve no artigo de Marcela Roman, pesquisadora do cide. O texto compartilha um modelo de auto-avaliação sistêmico que acompanha todas as etapas de intervenções que buscam melhorar aprendizagens e resultados escolares. Da mão deste modelo, percorre-se uma experiência concreta de assistência técnica externa a escolas urbano-marginais chilenas que atendem a povoações de alta vulnerabilidade social e educativa. Uma a uma, tornam-se visíveis as contribuições que o olhar avaliativo interno oferece para reorientar e modificar o processo de implementação, adequando a entrega de insumos e de estratégias de ação às conquistas esperadas, assim como para dar conta da contribuição ou do sucesso do programa para alcançar os efeitos ou impactos buscados. Tudo isso, a partir da contextualização e da análise dos principais fatores de eficácia no nível da escola, na sala de aula, nos estudantes e em suas famílias. Incorporar a avaliação ao ciclo completo de programas que buscam produzir mudanças significativas nas dinâmicas e nas práticas institucionais e fazê-lo desde dentro, desde as próprias equipes executoras, torna-se uma real e relevante estratégia para que os estudantes melhorem sua aprendizagem e incrementem seus desempenhos.
O mexicano Rafael Madrigal aborda em seu artigo o crucial tema da liderança escolar como elemento fundamental para a colocação em funcionamento e o sucesso dos processos de Melhoria da Escola. Trata-se de uma pesquisa empírica que busca determinar fortalezas, debilidades, oportunidades e carências das equipes diretivas, estudando para isso 112 diretores e docentes de cinco institutos Tecnológicos do Estado de Michoacán.
Nuno Silva Fraga e Sílvia Carvalho recorrem à ética como fundamentação teórica da Inteligência Moral. O artigo «A Inteligência Moral num processo de (des)construção dos projetos de liderança(s). Entre o pensar e o agir como gestão estratégica» pretende aproximar o leitor a uma reflexão em torno do conhecimento das problemáticas associadas às organizações educativas: a eleição dos líderes educativos e a relação que há entre os resultados da instituição e suas formas de atuação.
Fecha esta seção monográfica o trabalho «Motivação e Auto-regulação propiciadas mediante o uso do portfólio eletrônico nos alunos de Nível Superior», de Paola del Valle, Miriel Carlos Morales e Adriana Sumano. Estes pesquisadores partem do uso do portfólio eletrônico como estratégia de ensino baseada na reflexão e questionam se este uso influi no processo de motivação e de auto-regelação dos estudantes de Ciências Sociais. Com observações, entrevistas e questionários como técnicas expõem um trabalho de caráter descritivo que detalha os benefícios da estratégia analisada.
F. Javier Murillo Torrecilla
Universidade Autônoma de Madri, Espanha
Marcela Román Carrasco
Universidade Alberto Hurtado, Chile
Universidade Autônoma de Madri, Espanha
Marcela Román Carrasco
Universidade Alberto Hurtado, Chile
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