7 de setembro de 2011

ZUENIR VENTURA - Morte de um sonho


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O que restou daquela geração que queria derrubar a ditadura e transformar o país pelas armas? O que foi feito do projeto utópico daqueles jovens que acabaram passando os melhores anos de suas vidas na prisão ou no exílio? Valeu a pena? Há várias respostas para essas perguntas, e uma, em forma de tragédia, está no documentário franco-brasileiro “Diário de uma busca”, que ficou em cartaz durante dez semanas em Paris e agora está em exibição no Rio. Para o documentarista João Moreira Salles, é a “melhor crônica do exílio”. Talvez seja também o mais corajoso testemunho sobre um militante dos chamados anos de chumbo.

Saga de uma filha tentando desvendar a morte misteriosa do pai, a obra autobiográfica da gaúcha Flávia Castro, mesmo sem pretender ser um filme político, revela muito da política de países que entre os anos 60 e 70 estavam sob governos ditatoriais, como, além do Brasil, Chile e Argentina. Hoje com 45 anos, a diretora viaja em busca também de sua infância e adolescência, vividas ora em Porto Alegre, ora em Santiago, Buenos Aires, Caracas e Paris.

Em 1984, depois de 20 anos exilada, sua família retorna a Porto Alegre e aí acontece o que motivou o filme: uma morte sem explicação. O pai, o ex-jornalista Celso de Castro, e um amigo invadem armados o apartamento de um suposto ex-oficial nazista e são encontrados mortos. De acordo com uma inverossímil versão da polícia, Celso teria matado o amigo e se suicidado ao ver o prédio cercado por policiais.

O que Celso foi fazer de fato naquele apartamento nem Flavia descobriu nos oitoanos em que pesquisou essa intrincada trama, cheia de suspense e que mais parece o enredo de um romance policial. Apesar das inúmeras entrevistas com policiais encarregados do inquérito, jornalistas, familiares, amigos e colegas de militância do pai, ela não chega a uma conclusão. Os depoimentos são por demais contraditórios, embora um, o do legista, seja taxativo: não houve suicídio. Sem medo de encontrar a verdade, Flavia não foge de nenhuma hipótese, por menos nobre e mais incômoda que fosse, como a de que os dois amigos teriam invadido o apartamento para “fazer um ganho” (nos últimos anos, Celso era consumidor de cocaína).

Mesmo sem esclarecer o mistério da morte, o documentário, que não é de resposta, mas de questionamentos e procura, não perde o interesse nem a tensão, e a triste história de um fracasso pessoal transformado em tragédia funciona como uma quase metáfora da falência do projeto político maior, o da luta armada, que, como se sabe, acabou também degenerando no final. O sonho virou pesadelo.

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