13 de fevereiro de 2011

Jornalismo no fogo cruzado Agressões a repórteres no Cairo chamam a atenção à liberdade de imprensa nos regimes autoritários



  Jornal do Commercio PE
Carly Falcão

Imagine que você sai de seu país com a seguinte missão: relatar ao mundo detalhes de um conflito que está prestes a mudar a história de determinada região. Ao chegar à cidade estranha, tem seu equipamento de trabalho câmeras filmadoras, máquinas fotográficas, gravadores... apreendidos. No táxi, a caminho do hotel, num trecho de 3 quilômetros, você passa por seis barreiras, feitas por soldados ou manifestantes armados com paus e pedras, e é parado na última delas. Os militares fazem você caminhar por 15 minutos de olhos vendados. Eles falam uma língua que você não conhece, perguntam várias vezes em inglês as mesmas coisas (do tipo: que motivo o traz ao nosso país? ) e deixam você 18 horas trancafiado numa cela, sem direito a telefone, água ou comida. O relato é parte do que vivenciaram o repórter Corban Costa, da Rádio Nacional do Brasil, e o cinegrafista Gilvan Rocha, da TV Brasil, no início do mês, quando foram cobrir os protestos no Cairo, iniciados em 25 de janeiro e que, de acordo com as Nações Unidas, já mataram mais de 300 pessoas e deixaram milhares de feridos.
A experiência desses jornalistas é compartilhada por muitos outros profissionais que realizam coberturas em zonas de conflito. Só em 2010, 57 jornalistas foram assassinados no mundo a maioria vítima de máfias, milícias e traficantes. O continente que apresenta maior taxa de mortalidade da classe continua sendo a Ásia, que conta com 20 casos, devido, principalmente, ao saldo negativo de 11 jornalistas assassinados, só no ano passado, no Paquistão, país que atualmente é o mais perigoso para a imprensa. Seguem empatados no ranking dos países mais mortíferos o Iraque (onde sete foram mortos, em razão dos conflitos gerados após a retirada das tropas americanas) e México (com também sete mortes, devido à opressão imposta pelos narcotraficantes). Os dados são do último balanço anual da organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), divulgado ano passado.
Assassinatos na Europa foram contabilizados na Grécia e na Letônia, um em cada país. Honduras, na América Central, apresentou três mortes. Na América do Sul, a Colômbia teve duas perdas. O Brasil ficou com um assassinato, o do repórter investigativo Francisco Gomes de Medeiros, 46 anos, em 18 de outubro de 2010. Ele foi morto a tiros em frente de casa, em Caicó, a 280 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte. Conhecido como F. Gomes, a vítima trabalhava como radialista há mais de 22 anos, e, desde 2007, atuava na Rádio Caicó AM. Medeiros investigava crimes relacionados ao tráfico de drogas. Após o homicídio, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) pediu empenho no caso às autoridades brasileiras.
Infelizmente, as agressões continuam acontecendo. Segundo a RSF, que tem acompanhado também as agressões à imprensa nos conflitos em favor da derrubada do ex-ditador Hosni Mubarak, mais de 70 jornalistas já foram detidos naquele país, desde janeiro. A equipe brasileira que, de narradora, virou protagonista de várias reportagens nacionais e internacionais , só foi liberada do aprisionamento depois de assinar um documento em árabe, sem ter a mínima noção do que estava atestando. Depois de ter ficado 18 horas numa sala de interrogatório (com apenas duas cadeiras e uma mesa), um policial me perguntou se eu confiaria nele para assinar um documento que me libertaria. Eu disse que não tinha outra escolha , lembrou Corban Costa, 49 anos, 22 na profissão de jornalista. Segundo ele, que saiu do Brasil no dia 2 e retornou no dia 5, a liberação foi cheia de tensão.
Quando nos levaram para um antessala, vi muita gente presa, algemada, vendada... Depois de devolverem nossos celulares e passaportes, nos colocaram numa van, com policiais fortemente armados. Mandaram que ficássemos calados, de cabeça baixa e com olhos fechados. A van rodou por um tempo pelo Centro da cidade, depois, nos soltou. Pegamos um táxi e fomos direto pro aeroporto , narrou o jornalista que disse que a experiência consegue ser ainda mais traumática do que a que teve em 1996 na Angola, quando revolucionários da União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita) estavam depondo as armas para o fim da guerra civil, que durou mais de 30 anos. A ditadura de Mubarak fez comigo o que tentou fazer com toda a imprensa. Me tiraram a visão (a câmera filmadora), a comunicação (celular, internet, imposição do silêncio) e minhas pernas. Eu não podia ir e vir , protestou Corban.
ROTINA
A prisão e ameaças de morte não são exceção entre quem escolhe o caminho investigativo no jornalismo. Em 2010, 504 meios de comunicação foram censurados e 535 pessoas que trabalham diretamente com a mídia jornalística foram presas, de acordo com o levantamento da RSF. Somado a esse índice de violência, temos ainda o registro de mais de 50 jornalistas vítimas de sequestro nesse período. E mais: cerca de 1.400 foram agredidos ou ameaçados e 127 foram forçados a fugir do país de origem. Pelo segundo ano consecutivo, o maior número de jornalistas a deixarem seus países foi registrado no Irã, com 30 fugas.
Uma das razões apontadas por algumas organizações que lutam pelos direitos dos jornalistas para tamanha crueldade é de que cada vez menos eles são percebidos como um observador exterior ao conflito, que se propõe a ser objetivo e o mais fiel possível aos fatos, sem a tomada de um partido. Um ano depois do terremoto que assolou o Haiti em janeiro de 2010, o editor-assistente das editorias de Brasil e Internacional deste JC, Wilfred Gadêlha, 37 anos, visitou o país caribenho, a convite do Ministério da Defesa do Brasil, que levou 35 jornalistas a Porto Príncipe para acompanhar os trabalhos das tropas brasileiras da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah).
A chegada do grupo de imprensa coincidiu com a presença do ex-ditador Jean-Claude Baby Doc Duvalier. Mais de mil manifestantes pró-Baby Doc se amontoaram em frente ao Ministério Público da capital haitiano, ameaçando invadir o prédio, onde se encontrava o ex-presidente. Algumas pessoas xingavam a imprensa, com frases do tipo go home ( vá para casa , em inglês) , lembrou Gadêlha. O momento mais complicado foi quando a polícia permitiu que se aproximassem do prédio e eles realmente tentaram invadir. Vi jornalistas serem pisoteados. É claro que fiquei tenso. Até porque por mais que seja legal você presenciar um momento histórico, nenhuma notícia vale a sua vida , desabafou.

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