10 de fevereiro de 2011

Políticas públicas: fracassos também são bem-vindos

Valor Econômico | Opinião 
 
Pequenos erros em experimentos ajudam a errar menos em grande escala.
Você tomaria um remédio que foi desenvolvido a partir apenas da intuição dos pesquisadores do laboratório que o vende? Compraria um carro cujos freios nunca passaram por testes rigorosos? Voaria em um avião cujo desenho foi escolhido com base na opinião pública?
Para evitar essas insanidades, a Ciência desenvolveu métodos próprios para mensurar a eficiência e eficácia de remédios, freios e desenhos de aviões. Remédios são avaliados em experimentos com grupos que recebem o tratamento real enquanto outros apenas um placebo. Os freios dos carros são testados em laboratórios à exaustão e os aviões passam por milhares de horas em túneis de vento.
No tocante à políticas públicas, a realidade é bem distinta. Via de regra, os programas e políticas no Brasil são introduzidos sem que tenham passado por testes científicos. As políticas são derivadas das intuições dos políticos e eleitores, muitas vezes bem-intencionados, e, com alguma sorte, ouvem-se os especialistas. (Infelizmente, como se sabe, é possível encontrar um expert que defenda um programa qualquer, por mais absurdo que seja.)
Programas-piloto não são suficientes para avaliar os possíveis resultados benéficos da intervenção. Afinal, é preciso haver uma base de comparação. Um experimento científico requer grupos de controle, ou seja, indivíduos ou famílias, aleatoriamente escolhidos, que não serão sujeitos ao programa sobre avaliação. O real efeito do programa está na diferença entre os resultados dos grupos que sofreram a intervenção e os que não sofreram. Na prática a questão é um pouco mais complicada, mas já existe conhecimento acumulado para avaliações apropriadas.
No Brasil, se avançou na última década na estimação dos impactos das políticas públicas. Porém, como os experimentos controlados são raríssimos, os pesquisadores são forçados a buscar evidências indiretas, usar métodos sofisticados e, por vezes, têm que esperar pelos dados de uma PNAD ou mesmo do Censo. Nesse ínterim, o dinheiro público é perdido em programas inócuos. Um exame da literatura empírica ou um experimento rigoroso teriam evitado tal desperdício. Um pouco de avaliação das políticas públicas é melhor do que nenhuma avaliação.
Em pequena escala, podem-se testar várias combinações de intervenções e escolher aquela mais eficaz
A pesquisa sobre experimentos em políticas públicas já gerou resultados bastante surpreendentes. Esther Duflo, uma das estrelas da área, e seus coautores mostraram que o microcrédito não é a panaceia que seus defensores prometiam (e ainda prometem) para melhorar a vida dos pobres. Em outro estudo, ela apresentou evidências que bastava um minúsculo incentivo para que triplicassem as chances das mães indianas vacinassem seus filhos. Existem outras boas ideias, como a distribuição de computadores para alunos, que ainda estão subjudice e aguardam os resultados dos experimentos. Os exemplos dados estão focados em programas sociais, mas podem ser extrapolados para outras áreas. Nas políticas regionais, regiões aleatoriamente selecionadas podem ser escolhidas como objeto de intervenção; na gestão pública, programas de qualificação podem ser feitos com algumas prefeituras e assim por diante.
E por que experimentos com políticas públicas são tão raros no Brasil? Uma das críticas é que tais experimentos seriam antiéticos. Afinal, para avaliar, por exemplo, o resultado da introdução de um inovador método de alfabetização, de computadores na sala de aula ou do aumento da carga horária de ensino, é necessário deixar turmas inteiras sem esses avanços (por algum tempo). Ora, ainda mais injusta é a situação atual, em que recursos públicos são gastos em experimentos em que todas as crianças podem ser vítimas. Além disso, se se aceita hoje que a ciência médica forneça placebos para indivíduos doentes, por que rejeitar experimentos científicos também com políticas públicas?
Na verdade, é outra a razão pela qual alguns gestores públicos são avessos a experimentos. Eles podem mostrar que aqueles programas tão bem fundamentados, tão queridos pelos especialistas (e mesmo pelos eleitores) simplesmente não funcionam. Ao invés de temer as possíveis críticas dos adversários, os políticos deveriam compreender que, com experimentos, eles desperdiçariam menos recursos e obteriam resultados mais sólidos.
Vale lembrar que não se trata de retornar a um pensamento tecnocrático. Os objetivos e prioridades sócio-econômicas continuam sendo decididos pelos processos democráticos usuais. Trata-se do oposto da postura tecnocrática. Esta se baseava na crença de que especialistas iluminados tudo sabem e tudo podem. As políticas públicas baseadas em evidências são uma confissão de humildade diante de um mundo complexo em que a única certeza é a dificuldade de antecipar os efeitos concretos das intervenções (por mais bem- intencionadas que sejam).
Experimentos, por sua própria natureza, geram fracassos. Em pequena escala, podem-se testar várias combinações de intervenções e escolher aquela mais eficaz. Esses sucessos são cercados de fracassos relativos. Mas esses pequenos erros dos experimentos com políticas públicas são a maneira de errar menos em grande escala. A situação atual é ainda pior do que o fracasso reconhecido, uma vez que nem se pode saber se houve equívocos. Enfim, quanto maior for o conhecimento acumulado sobre o que não fazer, mais claro será o caminho correto para os gestores públicos bem-intencionados.
Leonardo Monasterio é técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

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