2 de maio de 2011

Diga não ao bullying

02 de maio de 2011

  Correio Braziliense



Um dia, ao voltar da escola, a garota Thaís* chegou em casa chorando. Sua mãe viu a cena e, embora já soubesse a resposta, perguntou: "Foi aquela menina de novo?" Desde o início das aulas, em fevereiro, Thaís, que tem 13 anos e cursa a 7ª série em um colégio do Distrito Federal, vem sofrendo os insultos de uma colega. ?Todo dia, ela fala do meu cabelo, da minha cor, me chama de neguinha, de pobre. No intervalo, ela sempre esbarra em mim", relata a menina, voltando a chorar. ?Na maioria das vezes, fico calada. Tenho medo de bater em mim", revela. O caso de Thaís é um exemplo típico do chamado bullying escolar. O fenômeno, frequente entre alunos do fundamental e médio, não é novo, mas nunca havia sido tão discutido e estudado. Era comum julgar esse tipo de violência como uma brincadeira de crianças e adolescentes, natural e passageira, mas esse equívoco deve cair por terra. "Se alguém se diverte humilhando outros e causando sofrimento, não é brincadeira, mas agressão", resume a psicóloga Maria Tereza Maldonado, autora do livro Bullying e cyberbullying - O que fazemos com o que fazem conosco?
No Brasil, cerca de 10% dos alunos da educação básica sofrem bullying, segundo estudo realizado a pedido da organização não governamental Plan Brasil, divulgado em 2010. Segundo a pesquisa, a quantidade de vítimas é maior nas 5ª e 6ª séries, quando aquela taxa fica acima dos 25%. Em levantamento feito pelo IBGE e divulgado em 2009, Brasília é a capital brasileira com mais vítimas de bullying (35,6%), seguida por Belo Horizonte (35,3%) e Curitiba (35,2 %). Ainda de acordo com o IBGE, o comportamento é mais frequente entre meninos (32,6%) do que entre garotas (28,3%).
Preconceito
O tema tem se popularizado, mas pais e professores ainda se confundem na hora de saber se o estudante está ou não sofrendo bullying. "Há um grave problema: hoje, tudo é visto como bullying. Ele é um fenômeno psicossocial e apresenta um conjunto de sintomas. À medida que é descaracterizado, fica difícil enfrentá-lo. É um problema sutil", alerta o psicólogo José Augusto Pedra, cofundador e coordenador do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes), sediado em Brasília.
Entre as características de que fala Pedra, está a repetição. "É preciso que haja três ataques, no mínimo", pondera o pesquisador. A vítima é sempre a mesma. A agressão pode ser praticada por uma pessoa ou um grupo e é intencional, premeditada e feita por um tempo prolongado. "Não tem uma causa evidente. É diferente de uma briga motivada por provocações, desentendimentos, ciúme, inveja", explica a pedagoga Cleo Fante, consultora da pesquisa realizada pela Plan e autora de Bullying escolar: perguntas e respostas dra). O comportamento ocorre quando há relação desigual de poder, em que o agressor é mais forte, fisicamente, que o agredido. A intenção é magoar, aterrorizar, depreciar, excluir.
Os alvos preferidos são aqueles que apresentam características fora dos padrões convencionais de beleza, os negros e os homossexuais. Na maioria das vezes, o agressor reproduz preconceitos disseminados na sociedade em que vive. É o que ocorre comThaís, cuja história foi contada no começo da reportagem. Na escola em que estuda, a maioria dos colegas é branca, inclusive a menina que a agride.
O racismo também transformou Marcelo*, 14 anos, em vítima de bullying. Ele é estudante da 8ª série e diz que as agressões sucederam durante todo o ano de 2010. Ao contar o que passou, o jovem não esconde a raiva que ainda sente. A expressão fica fechada, o rosto se avermelha e ele fala quase entredentes. No caso dele, as provocações partiram de vários colegas. "Na minha sala, tinha muito mais gente branca. E, como sou moreno bem escuro, começaram a me chamar de negão, de Cris (em referência à série de televisão Todo mundo odeia o Cris um ator negro). Também xingavam um amigo meu, que é da minha cor", lembra. "Isso acontecia todo dia. Não sei por que começou.
Sinais
O preconceito que vitimou João*, 17 anos, foi de outro tipo. "Nunca fui de jogar futebol. Fazia teatro e apresentava os trabalhos muito bem. Talvez tivesse um jeito meio afeminado. Era diferente dos outros garotos", resume o estudante do 3º ano do ensino médio. As "piadinhas" começaram quando ele estava na 4ª série e tinha apenas oito anos. "Um dia, um coleguinha me rotulou de gay. Logo depois, outros também começaram a me chamar assim. Foi horrível", descreve.
Aos poucos, João foi mudando. De extrovertido, passou a ficar quieto, retraído. "Na época, eu sentia muito ódio, mas guardava isso para mim. A vontade era de matar. Eu não sabia direito o que estava acontecendo." O estudante não falava para ninguém o que sentia, mas os sinais ficavam cada vez mais evidentes. "Na escola, inventei várias vezes que estava doente para ir embora, sair daquele ambiente. Em casa, ia para o quarto, ficava trancado o resto do dia e da noite, no escuro, chorando." Os pais começaram a estranhar e questionaram o filho. Acanhado, João não contava nada. Então, foi mandado a um psicólogo, com quem se consultou por três anos. "Foi bem difícil, mas eu superei. Vou sempre me lembrar daqueles momentos. Foi a pior coisa que poderia ter acontecido na minha vida. "
A estudante Thaís também tentava esconder o que estava acontecendo. Porém, assim como no caso de João, deu para perceber que seu comportamento se alterava. A menina, que era alegre e espontânea, tornou-se um pouco tristonha. Geralmente gostava de ir à escola, mas começou a arrumar desculpas para ficar em casa. "Eu e meu marido ficamos desconfiados", conta sua mãe, Júlia*, que pensou em sair do emprego para ficar mais tempo com a filha e descobrir qual era o problema. Um dia, Thaís chegou chorando muito e desabafou. Júlia foi ao colégio no dia seguinte. "Lá, eu soube que ela não havia falado nada para a direção, pois tinha medo de sofrer alguma represália", recorda a mãe.
* Os nomes verdadeiros foram omitidos para resguardar a identidade dos entrevistados.
FAC-SÍMILES
 PÁGINA ES15

Nenhum comentário:

Postar um comentário