15 de outubro de 2011

Basta investir em educação


15 de outubro de 2011
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 Basta investir







Competição | O Brasil termina em segundo lugar na Worldskills, uma olimpiáda internacional que testa a habilidade de alunos do ensino técnico

Por Lívia Perozim, de Londres

SOLDADORES, eletricistas, marceneiros, confeiteiros, joalheiros. Quem são os mais promissores do mundo? Por uma série de razões, culturais inclusive, a disputa por excelência em ofícios como esses raras vezes é tão acirrada como foi na primeira semana de outubro. Em Londres, mil jovens de 51 países se reuniram para testar suas habilidades técnicas na maior competição de educação profissional do mundo, a Worldskills International. O Brasil concorreu em 25 das 46 categorias da olimpíada bianual e assegurou, pela segunda vez consecutiva, o segundo lugar na classificação geral (atrás da Coreia do Sul e à frente do Japão, dois países de referência na área). Um resultado que consolida, acima de tudo, como vale a pena investir e confiar na educação profissionalizante.
O grupo de brasileiros que participaram da competição é formado por 28 jovens com idades entre 20 e 22 anos que concluíram cursos técnicos no Senai e no Senac e receberam uma bolsa (inicialmente de 300 reais, depois de 800 reais) para se dedicarem integralmente aos estudos nos últimos dois anos. Selecionados em etapas regionais e nacionais, treinaram duro, cerca de dez horas por dia, para atingir os padrões internacionais de qualidade em áreas como engenharia, indústria, construção civil, informática, comunicação e serviço.
Durante quatro dias, nos períodos da manhã e da tarde, os competidores realizaram tarefas que fazem parte do dia a dia de suas respectivas profissões e foram avaliados pelos treinadores de seus concorrentes, os chamados experts. Jogo pesado, com os visitantes como plateia na execução de provas que exigem perfeição em desafios como montar uma câmera fria e um ar condicionado, descobrir o defeito provocado por um expert e consertá-lo no menor tempo possível. Willian Ramon Grassioti levou 12 horas para cumprir essa tarefa, a que ele considerou a mais dificil na categoria que concorreu, Mecânica de Refrigeração. Mas valeu a pena: o brasiliense volta para casa com o ouro e muito orgulho do trabalho que cresceu vendo o pai fazer: "A maior medalha de todas é sair com uma profissão e com respeito".
Jecivaldo Oliveira da Silva teve de revestir em cerâmica os formatos do Big Ben e da London Eye (a roda gigante à beira do Rio Tâmisa) e da bandeira do Reino Unido. Não levou medalha, mas saiu vitorioso, além de garantir um emprego e uma bolsa de estudos. Sua história é similar à dos demais brasileiros na competição: ao terminar o ensino médio, precisou se inserir no mercado de trabalho e buscou uma qualificação. Aos 18 anos, Jecivaldo deixou os pais, trabalhadores rurais, no interior da Bahia para tentar a sorte em Brasília no mercado da construção civil. Matriculou-se em um curso profissionalizante e logo foi convidado a concorrer a uma vaga na competição internacional na categoria Aplicação de Revestimento Cerâmico. Gostou tanto do que aprendeu que planeja cursar Engenharia Civil. Ele e os demais competidores poderão escolher entre ingressar em uma universidade particular ou se especializar na área técnica no exterior. Os custos serão patrocinados pelo Senai. "Vamos investir no talento desses jovens", garantiu Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI),em anúncio-surpresa após o término da competição - até então, sabia-se que todos teriam emprego garantido como professores da instituição de cursos profissionalizantes.
A Worldskins, cuja sede varia de uma edição para outra, reuniu 150 mil participantes, entre as delegações de competidores, empresários e expositores da área, além do público visitante, grande parte estudantes da educação básica em excursões escolares. A competição começou na Espanha, em 1950, e é uma vitrine do que há de melhor em termos de tecnologia e formação técnica, além de um incentivo para jovens se qualificarem em trabalhos que tenham talento. O Brasil compete desde 1983. Até o início dos anos 1990, seu melhor resultado tinha sido uma 12ª posição. Nas últimas duas competições (2009 e 2007) conquistou o 3°e o 2°1ugares.
Além do investimento do Senai e da CNI (está é a primeira edição em que o Senac participa), a melhora tem a ver com a elevação da escolaridade e o acesso universalizado à educação fundamental.
Mas o Brasil ainda tem sérias discrepâncias. Os números de 2010 mostram que 9 milhões de estudantes estão no ensino médio, 6 milhões no ensino superior e apenas 1milhão no ensino profissionalizante, segundo dados do Inep. Ou seja, há seis universitários no País para cada estudante de escola técnica. Nas nações desenvolvidas, a proporção é de três para um.
A defasagem contribui para a escassez de mão de obra qualificada no Brasil e favorece a evasão. Alunos sem perspectiva de cursar faculdade deixam o ensino médio para trabalhar, com salários baixos. De acordo com Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI e diretorgeral do Senai, além da falta de gente qualificada em praticamente todas as áreas industriais - e o maior exemplo é a aquecida construção civil - , temos uma baixa produtividade no trabalho, sobretudo se comparados à China, que tem salários ainda menores, mas não sofre variações no câmbio.
Embora os cursos técnicos sejam oferecidos por redes públicas e particulares, as projeções de demanda de mão de obra, explica Lucchesi, geralmente não são feitas pelos governos, mas pela iniciativa privada: "Para formar o operador petroquímico, por exemplo, é preciso saber das tendências tecnológicas que ele precisará dominar daqui a cinco anos. É consenso na OCDE que a educação profissional está ligada às demandas competitivas das empresas, algo que os governos não sabem fazer. Não só no Brasil, mas no mundo". O Senai, afirma Lucchesi, atualmente forma 2,3 milhões de estudantes e deve duplicar esses números por conta do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), projeto do governo federal.
Mas o desenvolvimento da educação técnica depende de uma melhora da qualidade da educação básica, como lembra o senador Cristovam Buarque, um dos parlamentares convidados para conhecer o evento. "O Pronatec é um bom projeto, mas terá muita dificuldade porque não enfrentamos o problema do ensino fundamental. Isso forçará as escolas técnicas a perder tempo com formação básica".
Ensinar um ofício na escola é, segundo o australiano Tjerk Dusseldorp, presidente da WorldSkills, algo relacionado a um projeto de desenvolvimento. Ele cita dois exemplos:"A Suíça,um país de 5,5 milhões de habitantes, onde 80% da população tem formação técnica de ótima qualidade, e o da Coreia do Sul, um país com poucos recursos naturais, que perdeu tudo na Segunda Guerra Mundial e construiu uma economia baseada em competências".
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A equipe brasileira, subsidiada pelo Senai, CNI e Senac, só ficou atrás do selecionado da Coreia do Sul.
Destaques. Grassioti (acima) levou a medalha de ouro em Mêcanica de Refrigeração. Silva competiu em Aplicação de Revestimento Cerâmico.

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