Artigo de Isaac Roitman enviado ao JCEmail pelo autor.
O título do artigo foi inspirado no Seminário: "Cidadão do Futuro: Políticas para o Desenvolvimento da Primeira Infância" realizado recentemente em Brasília e que foi organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos e pela Secretaria de Direitos Humanos, ambas ligadas à Presidência da República. O evento contou com a participação de 49 palestrantes.
Um dos objetivos foi avançar na construção de um protocolo único para a atenção à primeira infância. Foram apresentados programas e políticas públicas em andamento em várias regiões do Brasil, alguns estaduais como o Primeira Infância Melhor (Rio Grande do Sul) e Asas da Florestania (Acre) e outros conduzidos por prefeituras: Curitiba, Florianópolis, São Paulo, Sobral, Rio de Janeiro, Petrolina e Campinas. Foi apresentado também o projeto "Chile Crece Contigo", que tem sido utilizado como modelo de vários programas no Brasil e que tem como objetivo oferecer a toda população chilena um sistema de Proteção Integral para a Infância. Em 2009 uma lei específica criou o Sistema Intersectorial de Proteção Social que permitiu a continuidade e avanço do programa.
É já consagrado o conceito de que os primeiros seis anos de vida são decisivos na formação da personalidade do ser humano. O conceito que o desenvolvimento do cérebro do ser humano é linear está superado. O pico na formação de novos neurônios e a conexão entre eles, sinapses, ocorrem principalmente nos três primeiros anos de vida. Esse período é decisivo e afeta a vida do ser humano, particularmente na dimensão da saúde e da cognição.
Um espectro grande de procedimentos e protocolos está disponibilizado facilitando o acesso a cuidados e educação para a primeira infância. Um bom exemplo é o Programa "Primeira Infância Melhor" (PIM), introduzido no Rio de Grande do Sul em 2003 e que já proporcionou atendimento com visitas domiciliares a 59.125 famílias e a 88.740 crianças. É um programa de ação socioeducativa voltado às famílias com crianças de zero até seis anos e gestantes, em situação de vulnerabilidade social e foi implantado tendo como referência a metodologia do Projeto Cubano "Educa a tu Hijo". Ele está voltado para o desenvolvimento pleno das capacidades físicas, intelectuais, sociais e emocionais do ser humano, tendo como eixo de sustentação a Comunidade, a Família e a Intersetorialidade.
Os programas de assistência materno-infantil têm reduzido as taxas de mortalidade infantil e subnutrição. Segundo o IBGE a mortalidade infantil no Brasil recuou de 69,12 para 22,47 óbitos em cada mil crianças nascidas vivas entre os anos de 1980 a 2009. Os programas de vacinação em massa, o incentivo ao aleitamento materno, o acompanhamento de gestantes e recém nascidos, além da relativa expansão do saneamento básico, certamente contribuíram para essa redução. Apesar desses avanços temos um grande desafio para alcançar índices aceitáveis, inclusive na educação.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (IBGE/2009), quase a metade das crianças na faixa da primeira infância, pertencem às famílias que vivem abaixo da linha de pobreza. Vivendo em condições adversas, que afetam o seu desenvolvimento elas têm seus direitos violados e chegam à idade escolar com significativa perda de seus potenciais. As habilidades não cognitivas, tais como a socialização, perseverança, disciplina e criatividade também ficam comprometidas. Sem a introdução de políticas articuladas para a Primeira Infância, certamente não concretizaremos o sonho da igualdade social.
Recentemente iniciativas de aprofundamento de debates sobre políticas públicas para a primeira infância apontam para um momento favorável para a implantação dessas ações em nível nacional. Além do Seminário mencionado, foram realizados outros três eventos de grande porte onde as políticas para a primeira infância foram amplamente discutidas: 1. Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância (São Paulo / Fundação Maria Cecília Vidigal Souto Vidigal); 2. Seminário Educação para o Século 21 (São Paulo / Instituto Ayrton Senna); 3. Seminário Internacional - Educação na Primeira Infância: A experiência internacional e a brasileira (Rio de Janeiro / Fundação Getulio Vargas). Nesse evento foi lançado o livro: "Aprendizagem Infantil: Uma abordagem da neurociência, economia e psicologia cognitiva". Essa obra rica em contribuições importantes foi um produto do Grupo de Trabalho de Aprendizagem Infantil instituído pela Academia Brasileira de Ciências e certamente servirá de guia para o estabelecimento de políticas publicas virtuosas na área.
O coordenador do livro, professor Aloísio Pessoa de Araújo faz uma provocação e uma convocação ao meio acadêmico e profissional da sociedade brasileira: "Como é sabido, os cuidados com a saúde e nutrição durante o pré-natal e nos primeiros anos de vida são determinantes na plasticidade cerebral e consequentemente no desenvolvimento educacional, além da saúde ao longo de sua vida. É igualmente importante que se criem centros de pesquisa em educação infantil em nossas universidades, públicas ou privadas. Estes centros deveriam ser conduzidos tanto por educadores como por neurocientistas e pediatras. Também poderiam ser dirigidos por economistas que poderiam fazer estudos quantitativos sobre os custos e benefícios dos diversos métodos utilizados."
Implantar políticas públicas que possam introduzir conteúdos e hábitos apropriados, desenvolvimento afetivo, brincadeiras e pedagogias contemporâneas para as crianças são o melhor investimento que podemos fazer pelo futuro dos brasileiros e do Brasil. Tudo indica que chegou a hora e a vez das crianças. É bom sempre lembrar um verso do "Pra não dizer que não falei das flores" de autoria de Geraldo Vandré, que diz: "Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer".
É também oportuno lembrar o provérbio chinês: "Há três coisas que nunca voltam atrás: a palavra proferida, a flecha desferida e a oportunidade perdida". Perder a oportunidade de realizarmos um grande salto, uma verdadeira inflexão, em favor do desenvolvimento da criança, será uma grave omissão de toda a sociedade e que certamente comprometerá o futuro das próximas gerações.
Isaac Roitman é coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, membro Titular da Academia Brasileira de Ciências e Subsecretário de Políticas para Criança da Secretaria de Estado da Criança do Distrito Federal.
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