Sobressai no livro de Henry Kissinger a comparação entre o pensamento chinês e o imediatismo dos EUA
Teve ampla repercussão internacional o lançamento por Obama da nova estratégia militar dos EUA, com ênfase na reafirmação da prioridade à região da Ásia-Pacífico.
Washington deu assim seguimento à iniciativa de Hillary Clinton, quando do anúncio da retirada das tropas americanas do Iraque, de viajar a países asiáticos para reiterar a firme determinação dos EUA de preservar, diante da crescente rivalidade com a China, a hegemonia militar (e sobretudo naval) que haviam logrado na região desde a Segunda Guerra.
O deslocamento do Leste da Ásia para o centro das preocupações estratégicas dos EUA já era claro. Vinha-se dando em resposta à vertiginosa ascensão econômica, militar e estratégica da China e ao crescimento da importância da região como um todo. Esse movimento incluiu o estabelecimento de uma inédita parceria estratégica com a Índia. A nova doutrina torna mais nítidas as preocupações dos EUA com o desafio que a China, em via de se tornar nova superpotência, apresenta.
Mas a situação constitui desafio também para a China. Para ela, a dificuldade está em conciliar a continuidade de seu desenvolvimento e de sua projeção econômica global com crescente assertividade quanto a seus interesses estratégicos em sua vizinhança, sem precipitar indesejável confrontação militar com os EUA. O desafio é complexo.
Quando os EUA de Nixon e a China de Mao surpreenderam o mundo, na virada dos anos 60 para os 70, com o lançamento de surpreendente diálogo de alto nível e o estabelecimento de relações diplomáticas, era inimaginável a situação atual, de intenso entrelaçamento e dependência econômica entre os dois países. Trata-se para ambos, portanto, de um desafio cujo manejo requer a inspiração de estrategistas de larga visão e experiência.
Nada mais oportuno, nesse contexto, do que o extraordinário depoimento de Henry Kissinger em seu recém-lançado livro "Sobre a China". Com suas qualificações como diplomata e historiador que fez mais de 50 viagens à China e dialogou com quatro gerações de líderes, Kissinger apresenta inteligente descrição dos principais episódios da história da China nos séculos 19 e 20.
Mas sobressai no livro sua comparação entre o singular pensamento estratégico chinês, com a visão ampla e de longo prazo de Sun-Tzu em "A Arte da Guerra", e a doutrina ocidental, mais imediatista e ambiciosa, que subscrevem os EUA.
Enquanto estes praticam o jogo de xadrez, que visa à pronta derrota do rei inimigo, os chineses valorizam a sabedoria do "wei qi" (pronuncia-se "uei chi"), ou "go" -em que o importante é ter paciência, evitar batalhas desnecessárias, camuflar intenções e prevalecer com o menor desgaste possível.
Estão na arena, portanto, não só duas grandes potências, mas duas filosofias diferentes e duas nações que se consideram excepcionais em relação ao resto do mundo.
Como dá Kissinger a entender, os EUA precisam melhor compreender Sun-Tzu. E a China moderna não deve subestimar a determinação americana. No que se refere ao Brasil, China e EUA são hoje nossos principais parceiros. Vale, assim, a quem quiser bem entender a defrontação estratégica entre as duas potências a leitura do precioso livro desse Kissinger-velho-de-guerra.
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