SÃO PAULO - Tenho gostado do trabalho da comissão de juristas encarregada de propor um novo Código Penal. Embora eu discorde de muitas das sugestões, é preciso reconhecer que os notáveis, à parte a tarefa hercúlea de resgatar um pouco da coerência interna dessa peça legislativa, têm conseguido introduzir inovações importantes, especialmente em temas que os parlamentares preferem não abordar.
Meu receio é justamente o de que o Congresso vete a maioria das propostas, ou, pior, distinga entre as boas e as ruins e só aprove as últimas. Deixemos, porém, os trâmites legislativos para uma outra ocasião.
Voltando à comissão, ela acaba de sugerir que compra, guarda, porte e plantio de qualquer tipo de droga para uso próprio deixem de ser crime. Em grandes linhas, apenas o tráfico continuaria sendo um delito.
A proposta faz sentido em termos táticos. Se já é improvável que até isso passe, pensar em legalização, com produção em fábricas e cobrança de impostos, torna-se uma utopia. Mas o interessante do projeto é que ele mostra os limites de uma política que visa apenas à descriminalização.
Se não é proibido comprar estupefacientes, como justificar que a venda o seja? O dono de uma fazenda que cobra entrada e permite que pessoas colham plantas nativas e fungos alucinógenos é um traficante?
Se o apreciador de Cannabis pode cultivar um pé de maconha para consumo próprio, o usuário de ecstasy pode, por analogia, reivindicar o direito de manter no fundo do quintal um laboratório para sintetizar pequenas quantidades da droga.
Admito que a ideia de que alguém possa lucrar explorando o vício e a ruína alheios é repulsiva. Mas, se queremos uma política de drogas que pare em pé, devemos abandonar nossos vieses mentais e hipocrisias e defender a legalização. Na verdade, convivemos bem com ela no caso do álcool e dos cigarros. A única coisa que muda é a substância.
Folha de S.Paulo, 30 de maio,2012
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