29 de maio de 2012

Juristas propõem descriminalizar uso e plantio de drogas


Comissão que elabora projeto do novo Código Penal quer que consumo seja crime só na presença de criança ou adolescente

Seria considerado usuário quem fosse pego com quantidade de droga suficiente para até 5 dias de consumoNÁDIA GUERLENDA
DE BRASÍLIA
Plantar, comprar, guardar ou portar consigo qualquer tipo de droga para uso próprio pode deixar de ser crime no Brasil. Basta que vire lei uma proposta aprovada ontem pela comissão de juristas responsável por elaborar o texto do novo Código Penal.
Hoje, o consumo de drogas já não é crime, mas é muito raro que alguém faça isso sem também praticar uma das outras condutas criminalizadas: cultivar, comprar, portar ou manter a droga em depósito.
A pena aplicada nesses casos não é de prisão. O acusado pode receber uma advertência sobre os efeitos das drogas, ser obrigado a prestar serviços à comunidade e a comparecer a curso educativo. Ele também tem o antecedente registrado.
Se as propostas dos juristas forem aprovadas pelo Congresso, essas condutas também deixam de ser crime.
Os juristas, por outro lado, estabeleceram uma exceção: tornar crime o uso de drogas na presença ou nas proximidades de crianças ou adolescentes. Nesses casos, o acusado será punido com as penas dos delitos mencionados acima, o que não é previsto hoje.
Dos nove juristas presentes de um total de 15 da comissão, apenas o relator, o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, votou contra a descriminalização.
Para ele, o fato de o usuário não ser punido acabará estimulando que seja considerado traficante, o que aumentaria o encarceramento -exatamente o efeito contrário do que se pretende atingir.
"Entendo que se o usuário tiver uma pena pequena, como 15 dias de prisão ou multa, o efeito prático seria exatamente esse [redução do encarceramento]."
CINCO DIAS
A defensora pública Juliana Belloque, autora da proposta, citou reportagem da Folha que apontou crescimento desproporcional do aprisionamento de acusados de tráfico desde 2006, quando entrou em vigor a atual lei de drogas. Especialistas atribuem a alta à confusão entre quem é usuário e quem é traficante.
Para fazer essa diferenciação, a comissão estabeleceu que quem for pego com o equivalente a cinco dias de consumo será considerado usuário.
Como a quantidade média diária de uso varia conforme o tipo de droga, o texto aponta que deverão ser seguidas definições da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Procurados, a Anvisa, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça informaram que não existe, hoje, a avaliação do que seria essa média diária de consumo por tipo de droga.
PENA PARA TRÁFICO
A comissão também propôs reduzir a pena máxima para o preso por tráfico: dos atuais de cinco a 15 anos de prisão para de cinco a dez anos.
A comissão afirmou que a alteração foi uma adequação às mudanças que estão sendo propostas para penas de outros crimes.
Colaborou JOHANNA NUBLAT, de Brasília, O Globo



Especialistas comemoram medida que descriminaliza uso de drogas

SÃO PAULO – A Coordenadora da Secretaria da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, Ilona Szabo, comemorou a decisão da Comissão de juristas que decidiu pela descriminalização do uso de drogas. Para ela, o projeto é um primeiro passo na discussão sobre o uso de drogas no país.
- Evitar que o usuário seja levado a uma delegacia já é algo a se celebrar – diz Ilona, que é especialista em questões como uso de drogas e violência urbana.
Ilona espera que a decisão técnica da comissão seja bem-recebida no Congresso Nacional.
- Esperamos que se faça uma discussão muito séria sobre isso. E a visão da comissão é técnica e bem embasada. Torcemos que para que tenha peso no Congresso Nacional.
Ela diz que a mudança da legislação é necessária para corrigir “injustiças” cometidas com a lei de 2006, mas para isso é necessário uma “definição correta” por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que será responsável por definir a quantidade de droga que diferencia o consumo do tráfico.
- A lei de 2006 acabou aumentando o encarceramento e provocando injustiças, levando usuários para a cadeia. É preciso que se seja fixado um limite realista para a caracterização do consumo. O critério hoje é nebuloso e fica a cargo do policial. O usuário não compra [droga] todo o dia. Quando compra, ele compra pra um semana ou até mais – diz.
Szabo afirma que, em um segundo momento, é preciso discutir o uso medicinal da maconha e a possibilidade plantio para pequenas quantidades. A coordenadora da Comissão entende que a regulação da venda de drogas seria fundamental para diminuir os efeitos da violência urbana relacionados ao tráfico, mas admite que a sociedade ainda tem muita resistência ao tema.
- Isso vai demorar bastante.
O advogado Luiz Flávio Gomes, que integra a Comissão de Juristas responsável pelas mudanças no Código, diz que a decisão segue uma “tendência mundial irreversível”, que é descriminalizar o uso de drogas.,
- O Código de 2006 ficou no meio do caminho. Agora estamos arrumando isso. Não se pode tratar o usuário como criminoso.

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