Roberto Dias, coordenador do curso de Direito da PUC-SP, analisa julgamento do STF
29 de maio de 2012 ,Estado de S.Paulo
Roberto Dias*
Há um ano, o STF reconhecia, por unanimidade, a união estável homoafetiva como entidade familiar. Foi uma decisão histórica que rejeitou a discriminação de pessoas em razão da orientação sexual.
Um ponto polêmico dizia respeito à previsão constitucional que reconhece, para efeito da proteção do Estado, “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (artigo 226, parágrafo 3.º). Essa norma impediria a proteção da união de pessoas do mesmo sexo? Como superar a previsão literal? Este era um dos principais desafios do STF.
E a superação se deu com a interpretação sistemática da Constituição, com o entendimento de que ali há um conjunto harmônico de normas, como lembrado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia. Esse conjunto instituiu um Estado que, fundado na dignidade da pessoa, tem como objetivo constituir uma sociedade livre, com a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A união homoafetiva, portanto, tem sua base nos direitos fundamentais. Afinal, nas palavras do ministro Ayres Britto, não existe “subfamília, família de segunda classe ou família mais ou menos”. A heteroafetividade em si não torna os heterossexuais superiores, tampouco os “beneficia com a titularidade exclusiva do direito de constituir uma família”.
O STF concluiu que a Constituição, ao contemplar expressamente a existência da família formada pelo casamento, aquela decorrente da união estável entre homem e mulher e, também, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes – família monoparental – não excluiu o reconhecimento da entidade familiar estabelecida pela união estável homoafetiva. Pelo fato de existir – nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello – uma obrigação constitucional de não discriminação e de respeito à dignidade humana, às diferenças e à orientação sexual, não se pode interpretar literalmente as normas jurídicas que não reconhecem os direitos de grupos minoritários.
Podemos dizer que três importantes argumentos fundamentaram a decisão. Primeiro, o princípio da igualdade impede que as pessoas sejam discriminadas em razão da orientação sexual. A Constituição aceita a diversidade e reconhece o direito do indivíduo de construir, livremente, sua identidade.
Segundo: a Constituição garante o direito à intimidade, ou seja, relacionamentos afetivos mantidos por qualquer pessoa não dizem respeito a mais ninguém. Há direitos e obrigações que decorrem da união estável. Mas não importa se ela é formada pela afetividade heterossexual ou homossexual.
Em terceiro lugar, a Constituição deve ser interpretada como conjunto harmônico de normas: ela não é a somatória daquilo que está literalmente previsto em cada uma das partes isoladas. Assim, o fato de a Constituição não prever, explicitamente, a entidade familiar homoafetiva não significa que ela proibiu a união entre pessoas do mesmo sexo e sua proteção pelo Estado. Ao contrário, os direitos fundamentais previstos na Constituição – como a igualdade e a intimidade – impõem o reconhecimento da união homoafetiva, mesmo sem previsão constitucional explícita.
* ROBERTO DIAS, DOUTOR EM DIREITO CONSTITUCIONAL, COORDENA O CURSO DE DIREITO DA PUC-SP
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