28 de maio de 2012

Internet amiga do governo



Segundo especialistas, os governos devem buscar mais informações sobre a população por meio da rede mundial de computadores para otimizar seus serviços. O melhor uso dos dados que circulam na web pode ajudar também a combater fraudes e crimes de corrupção


Max Milliano Melo, Corrio Brasiliense, 28 de maio, 2012


Há quem diga que o início de século 21 é a era da informação. As pessoas nunca estiveram tão conectadas e nunca trocaram tantos dados como agora. É por essa razão que especialistas afirmam que o acesso a amplas bases de dados da população é tão valioso quanto ouro e pode ajudar governos a melhorar suas políticas e entender as demandas dos cidadãos. Além disso, defendem, prender criminosos e combater a corrupção e os desvios de verbas são ações que só terão sucesso quando, a exemplo do que já fazem as empresas, a administração pública compreender a importância do ativo chamado informação.
O norte-americano Chris Swecker é um dos grandes defensores mundiais do uso de bases de dados digitais para melhorar as políticas públicas. Ex-diretor adjunto do Federal Bureau of Investigation, o famoso FBI, entre 2004 e 2006, ele acredita que uma relação mais profunda entre o poder público e os usuários digitais é uma das chaves para, por exemplo, combater crimes. "Atualmente, há muitas ferramentas tecnológicas altamente poderosas, mas a informação é, talvez, a mais poderosa delas para se detectar fraudes", afirma.
Para ele, as empresas privadas já descobriram como se beneficiar de bancos de dados bem estruturados, no entanto o setor privado ainda possui iniciativas modestas nesse aspecto. "Da mesma forma que as empresas usam os dados dos consumidores para marketing e para fazer negócios, o governo pode usar bases de dados para detectar erros e desvios ao longo de seus processos, além de ajudar a consertar esses erros", diz. "O crescimento do Brasil, que tem uma economia de destaque mundial, vem chamando a atenção dos criminosos internacionais, que aproveitam do caráter global da internet para agir. Isso aumenta ainda mais a responsabilidade do governo nessa área", acrescenta Swecker, que esteve em Brasília na semana passada para participar de um congresso organizado pela empresa SAS sobre prevenção de fraudes (leia mais na entrevista ao lado).
Programas sociais
São sólidas bases de dados que tornam possível, por exemplo, ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) localizar beneficiários em regiões remotas do país e entrar em contato com eles para a renovação de cadastros. Já sistemas de notificação compulsória em hospitais públicos e privados dão ao Sistema Único de Saúde (SUS) a chance de identificar regiões atingidas por surtos de doenças, como dengue e malária. "O Brasil tem uma tradição em criar amplos mecanismos eletrônicos que ajudam a melhorar os processos públicos. Exemplos disso são as nossas eleições e a entrega das declarações anuais de Imposto de Renda, totalmente digitalizadas", aponta Delfino Natal de Souza, secretário de Logística e Tecnologia da Informação, do Ministério do Planejamento Orçamento de Gestão (Mpog).
Para Souza, quando o governo amplia essa relação está contribuindo para outro importante processo para o qual o país está passando: a inclusão digital. "Quando criamos serviços públicos na internet, por exemplo, estamos incentivando o interesse das pessoas pelo mundo on-line. Há algumas décadas, quando os benefícios do INSS passaram a ser pagos por meio de um cartão, houve muita dúvida se as pessoas mais simples conseguiriam utilizar os caixas eletrônicos, mas isso acabou ajudando na inclusão dessas pessoas", lembra o secretário.
Prestação de contas
Se até pouco tempo atrás manter bancos de dados que possibilitam um fluxo rápido e fácil da informação era apenas uma ferramenta para melhorar a qualidade dos serviços públicos, desde o último dia 16, quando entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação (LAI), isso passou a ser uma obrigação dos gestores públicos. Sancionada em novembro do ano passado, a nova legislação obriga a todos os órgãos do governo - sejam federais, estaduais ou municipais - a fornecerem aos cidadãos todas as informações que lhe forem demandadas. A partir de agora, por exemplo, qualquer pessoa pode solicitar dados sobre o vencimento dos servidores de cada órgão, o quanto é gasto em cada área, de onde vêm e para onde vão as receitas de uma autarquia, além de detalhes sobre como anda o serviço prestado à população.
Na prática, porém, o acesso a todos esse dados não deve ocorrer de forma imediata. Segundo o cientista da computação e especialista em bancos de dados Regner Santos, que, com o apoio da Universidade Federal de Goiás (UFG), desenvolveu um sistema que ajuda empresas a organizarem suas bases de informações, apesar de os órgãos terem tido desde novembro para se adaptar à nova norma, nem todos se prepararam da maneira devida. "Boa parte das instituições adormeceram e não criaram mecanismos para buscar e disponinilizar as informações, já que há um prazo legal para elas as fornecerem quando o cidadão demandar. Agora que a lei entrou em vigor, muitas estão correndo contra o tempo", avalia.
Para ele, a aplicação, mesmo após um período inicial de adaptação será difícil. "Alguns órgãos terão mais ou menos capacidade de cumprir a lei. Nas grandes cidades e nos órgãos maiores, o processo deve ser mais simples", acredita o cientista da computação. Porém, nas instituições menores e nas cidades do interior, a organização e a disponibilização das bases de dados públicas deverão enfrentar mais problemas. "Muitos desses lugares não apenas não possuem sistemas para cumprir essa função como também carecem de mão de obra qualificada para esse fim", lamenta Santos.








Max Milliano Melo


Casado e com três filhas, Chris Swecker, 55 anos, nasceu em El Ferrol, na Espanha, transferindo-se logo cedo para os Estados Unidos. Ingressou no FBI na Carolina do Norte em 1982, como agente especial. Comandante em dezenas das operações no Iraque, conseguiu o desmantelamento de uma célula terrorista Hezbollah em Charlotte, na Carolina do Norte, e supervisionou a investigação e captura de Eric Robert Rudolph, um dos 10 homens mais procurados dos EUA. Promovido a diretor da Divisão de Investigação Criminal, aumentou os esforços contra a corrupção pública e abriu 30 forças-tarefa contra gangues, além de estabelecer grupos especializados em combate a sequestros de crianças. Em 2004, foi nomeado diretor adjunto do FBI, cargo no qual permaneceu até 2006. Hoje, trabalha na iniciativa privada. Em entrevista ao Correio, argumentou que empresas e governos se tornam mais eficientes quando agem com transparência e alertou para o risco que o Brasil corre ao ganhar mais destaque internacional: "As organizações criminosas são atraídas pela prosperidade econômica".Hoje, existe uma cultura tanto no setor público quanto no privado de reunir amplas bases de dados para basear suas decisões?
Trabalhei no FBI, mas também passei alguns anos em instituições privadas, como o Bank of America e seguradoras. Nesse período, percebi uma mudança drástica na maneira de lidar com os dados. As empresas e os órgãos públicos descobriram que manter a informação guardada é ineficiente. Entenderam que são possíveis grandes avanços com o compartilhamento de informação e a adoção de parcerias. No FBI, por exemplo, a partir de dados públicos, como os de escolas e do serviço social, conseguimos desvendar o comportamento dos membros de organizações criminosas, desvendando seus passos e prendendo-os.
E quando o criminoso está no serviço público?
Esse é um problema global. Nesse caso, manter bases de dados organizadas ajuda a detectar quando esses criminosos agem. Isso acontece por causa de dois efeitos secundários da manutenção de bases de dados: a transparência, já que se consegue rastrear de onde o dinheiro vem e para onde vai, e a possibilidade de monitoramento rápido e constante, permitindo perseguir as fraudes.
As bases de dados e os sistemas públicos são mais vulneráveis que os privados?
Já trabalhei nos dois setores e posso dizer que há vulnerabilidade em ambos. Os criminosos não fazem distinção entre um e outro, eles estão em busca de dinheiro, sem se importar de onde ele vem. Na era da internet, os setores público e privado tiram vantagem de seus benefícios, fornecendo serviços on-line e diminuindo sua presença em prédios e escritórios físicos. O problema não está nos serviços, mas no fato de as organizações criminosas gastarem todo o tempo testando os sistemas, identificando falhas e vulnerabilidades.
No Brasil, a grande maioria da população está chegando à internet agora, são usuários recentes e com pouca experiência. Isso torna o país mais vulnerável?
Duas coisas estão acontecendo: uma é que o Brasil é cada vez mais uma economia global, uma economia robusta. A outra é a chegada de muitas pessoas à internet, justamente por causa desse crescimento. As organizações criminosas são atraídas pela prosperidade econômica. Se observarmos as estatísticas de crimes virtuais no Brasil, percebemos que houve um aumento dramático no número de casos nos últimos anos. A razão delas é uma só: a falta de segurança dos usuários. Cerca de 97% dos crimes virtuais ocorrem por fishing e-mails (mensagens em que o usuário instala, sem querer, um programa que "pesca" os dados salvos no computador), uma técnica fácil de ser evitada.

Há uma grande discussão a respeito de privacidade. Como os governos podem utilizar os dados dos cidadãos sem ferir o direito à privacidade?
Hoje, todos buscamos o equilíbrio entre o respeito à privacidade e o bom uso das informações dos indivíduos. A questão é que empresas da área de tecnologia, como Google e Facebook, têm mais informação sobre cada um de nós do que os governos jamais terão. Pessoalmente, eu não vejo problemas em o governo ter muita informação sobre as pessoas, o grande problema é o Google e outras empresas terem essas informações. Temos de criar leis que controlem como essas companhias usam nossas informações, para evitar abusos. O governo ter bastante informação e utilizar para prevenir fraudes é um uso legítimo dos dados.

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