30 de maio,2012, O Globo
Nos últimos dias tive a oportunidade de falar sobre o papel da imprensa em situações diversas: ontem, na Academia Brasileira de Letras, encerrei o ciclo de palestras coordenado pelo acadêmico Affonso Arinos de Mello Franco sob o tema geral de “Eleições e reflexões”, falando sobre “os direitos e deveres” da mídia.
Na China, num debate promovido pela Academia da Latinidade com a Academia de Ciências Sociais de Xangai, analisei a relação da mídia com o Estado na América Latina.
Não há momento mais propício para discutir a imprensa, quando uma intensa luta política procura desacreditá-la no Brasil, como parte de um amplo movimento para tentar criar um ambiente favorável no Congresso à aprovação de uma legislação de controle social da mídia, como tentam radicais ligados ao governo petista desde que o partido chegou ao poder em 2002 com a eleição de Lula.
Lembrei que na América Latina enfrentamos um problema já superado na maioria dos países democráticos: a tentativa de restringir a liberdade de expressão. Espalha-se pela região um movimento de contenção da liberdade de imprensa em diversos países, como Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador, onde televisões, rádios e jornais vão sendo fechados sob os mais variados pretextos, e muitos outros são ameaçados com diversas formas de pressão, sejam financeiras, sejam através de medidas judiciais.
Lembrei que no Brasil, uma democracia em processo de amadurecimento, somos uma exceção em um continente cada vez mais dominado por governos autoritários ou simples ditaduras.
Apesar disso, aqui também enfrentamos ameaças à liberdade de expressão. Depois de tentar criar diversos organismos, desde a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual — que daria poderes ao governo de interferir na programação da televisão e direcionar o financiamento de filmes, e toda a produção cultural, para temas que estivessem em sintonia com as metas sociais do governo — até o Conselho Nacional de Jornalismo — com a finalidade de controlar o exercício da profissão e poderes para punir, até mesmo com a cassação do registro profissional, os jornalistas que infringissem normas de conduta que seriam definidas pelo próprio Conselho —, esse mesmo grupo político tenta viabilizar mecanismos de controle dos meios de comunicação.
Falei também na China sobre os problemas legais que cada vez mais surgem no caminho da livre expressão, com embargos de diversos feitios que tentam inviabilizar, até economicamente, os meios de comunicação, especialmente no interior do país, que enfrentam também a violência como arma de intimidação da liberdade de expressão, tendo sido registrados diversos casos de assassinatos e agressões a jornalistas.
Na Academia Brasileira de Letras, ontem, tratei de temas mais genéricos, de conceitos sobre a profissão de jornalista que são atemporais, valem para qualquer momento, mas especialmente para os tempos de eleição.
A imprensa enfrenta no mundo uma permanente batalha de credibilidade, que volta e meia é perdida. Embora aqui no Brasil ainda apareça entre as instituições mais respeitadas pela opinião pública, há um permanente desconforto na relação da imprensa com a sociedade.
Se de um lado ela ainda depende da imprensa para ter seus direitos respeitados e para que denúncias sejam investigadas pelos governos, de outro há questionamentos persistentes quanto à irresponsabilidade do noticiário, sobre as acusações veiculadas — o que muitos classificam de denuncismo — ou quanto ao superficialismo do noticiário.
No Brasil, há uma relação de amor e ódio típica de um país que ainda testa a solidez de suas instituições democráticas, e onde a Justiça não funciona plenamente.
A imprensa aqui, mais que em outras partes, transforma-se em Poder, por uma disfunção dos demais Poderes.
É disseminada pelos adeptos do governo uma tentativa de desacreditar os meios de comunicação na suposição de que a “opinião pública” representa apenas a elite da sociedade e não os cidadãos de maneira geral.
A “opinião pública” surgiu no fim do século XVIII, através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.
Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado ao surgimento do Estado moderno. A gravidade do que aconteceu no “News of the World” na Inglaterra, com escutas ilegais e chantagens, liga perigosamente a prática de crimes comuns ao jornalismo, o que é inaceitável e põe em risco a própria essência da liberdade de expressão.
O jornalismo, instrumento da democracia, não pode se transformar em atividade criminosa.
Não obstante todos os novos recursos tecnológicos e as mudanças na sociedade que colocam o cidadão como protagonista, é o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático.
A tese de que as novas tecnologias, como a internet, os blogs, o Twitter e as redes sociais de comunicação, como o Facebook, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por pesquisas. Uma, recente, da Associação de Jornais dos Estados Unidos (NAA na sigla em inglês), mostrou mais uma vez que os jornais tradicionais são marcas confiáveis para as quais o leitor corre quando algo importante está acontecendo.
A pesquisa da NAA sobre o uso de multiplataformas mostra que três quartos de todos os usuários da internet têm os jornais como principal fonte de notícias e os leem em várias plataformas.
Não é à toa que os sites e blogs mais acessados tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil são aqueles que pertencem a companhias jornalísticas tradicionais, já testadas na árdua tarefa de selecionar e hierarquizar a informação.
O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem.
Não há dúvida de que, com o surgimento das novas tecnologias, os jornais perderam a hegemonia da informação, mas continuam sendo fatores fundamentais para cidadania.
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