Correio Braziliense | Cidade | BR, 27 de maio, 2012
A Marcha das Vadias, realizada ontem em Brasília e em outras 15 cidades do país, repudiou a violência contra as mulheres. Evento na capital federal reuniu mais de 2 mil pessoas, incluindo muitos homens
Maria Júlia Lledó
Maria Júlia Lledó
Laçarotes, batom vermelho e meia-calça preta vestiram as manifestantes que empunhavam cartazes com mensagens em prol da igualdade entre os gêneros, durante a Marcha das Vadias, no começo da tarde de ontem. A concentração, colorida por faixas em repúdio ao machismo e à violência contra as mulheres, e de apoio ao movimento GLBTS, saiu da praça Zumbi dos Palmares, no Conic (Setor de Diversões Sul), passou pela Rodoviária e pelo Eixo Monumental, seguiu rumo à W3 Norte até parar o trânsito, por alguns minutos, no início da W3 Sul e voltar ao ponto de partida. Mais organizado que no ano passado, o evento, nesta segunda edição, teve mais de 2 mil pessoas.
Pacífica, a manifestação teve apenas um episódio que provocou tumulto pouco antes da saída da marcha. Um homem foi visto por um grupo com a calça abaixada, observando as mulheres. Assim que o público percebeu o atentado ao pudor, teve início a gritaria em repúdio à atitude, mas o homem conseguiu fugir. Horas mais tarde, a Polícia Militar conseguiu capturar o homem, ainda não identificado, e conduzi-lo à 5ª Delegacia de Polícia. Fora essa ocorrência, nem mesmo a chuva, que caiu por volta das 16h, dispersou o público.
O manifesto da Marcha das Vadias, mais uma vez, fez referência ao crescente número de casos de violência contra a mulher. O Distrito Federal ocupa o sétimo lugar no ranking nacional de assassinatos de mulheres. E, a cada ano, cerca de 4 mil mulheres são mortas no Brasil, conforme o Mapa da Violência de 2012, produzido pela organização não governamental Instituto Sangari. Presente na manifestação, a psicóloga Tatiana Lionço, 35 anos, assina o manifesto e acredita que as mobilizações populares podem, sim, fazer a diferença. "Isso aqui não é oba-oba ou carnaval. Temos o direito de estar na rua pedindo pelos nossos direitos."
A artesã Edineide de Albuquerque, 42 anos, acompanhou a manifestação do começo ao fim e gostou de ver tantas mulheres em uma postura pró-ativa. Edineide acredita que, por causa do acesso à informação, as jovens de hoje não aceitam caladas os abusos que ela afirma ter sofrido. "Fui assediada por um tio quando era criança e, quando me casei, virgem, tinha que fazer aquilo que meu marido esperava de mim. Não me sentia à vontade com meu corpo e, ainda por cima, tinha que me vestir conforme o julgamento dos outros. Hoje, não mais. Meu corpo é um território só meu", desabafou.
Maior alcance
A organização do movimento em Brasília comemorou o fato de que outras 15 cidades do Brasil também foram às ruas pela causa. "Além da manifestação ter ocorrido, simultaneamente, em outras partes do país, outro diferencial desse ano foi conseguir panfletar no Entorno do DF e obter ainda mais alcance nas redes sociais e na mídia", disse uma das organizadoras, a engenheira agrônoma Lia Padilha, 28 anos.
Muitos homens também participaram da marcha. O estudante de ciências políticas Leandro Lobo, 21 anos, carregava o cartaz: "Homens, deixem o feminismo te libertar", enquanto o autônomo Pedro Borges, 26, acompanhava uma amiga na manifestação. Ele nasceu em um ambiente machista. "Acho que nós estamos refletindo sobre esse comportamento", disse o profissional.
Dormindo com o inimigo
A pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, da Fundação Perseu Abramo, estima que em 42% dos casos de estupro os agressores são antigos ou atuais namorados e cônjuges das vítimas. Estimativa coincide com o Mapa da Violência 2012, elaborado pelo Instituto Sangari.
A comissão escondida
A Comissão da Violência contra as Mulheres, sem a luz dos holofotes, caminha a passos largos. Enquanto isso, a do Cachoeira só agora conseguiu saber que, num determinado período, a Delta Construções rendeu mais dinheiro ao esquema do que o jogo
Enquanto todos os holofotes seguem firmes sobre a CPI que trata dos negócios do contraventor Carlinhos Cachoeira e de seu relacionamento com autoridades públicas, uma outra comissão parlamentar de inquérito tão importante quanto segue silenciosamente, quase no esquecimento. Trata de fazer um diagnóstico da violência contra a mulher no Brasil. Está em curso desde fevereiro. Nesse período, deputadas e senadoras integrantes da comissão já visitaram cinco estados e detectaram uma cachoeira de problemas nesse campo. Da prevenção à assistência, está tudo deficitário nessa seara no Brasil.
Só para refrescar a memória de quem não se lembra dos números, o mapa na violência contra as mulheres, divulgado em abril pelo Instituto Sangari, indica que de 2000 a 2010, foram assassinadas no Brasil 43,5 mil mulheres - 68,8% dos homicídios ocorrem dentro de casa, praticados por maridos, namorados, ex-namorados ou companheiros. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres registra diariamente uma média de 1.828 telefonemas para o disque-denúncia (180). E não se tem uma infraestrutura para analisar todos os casos denunciados.
Por falar em dentro de casa
Ao contrário da turma que trabalha na CPI do Cachoeira, as integrantes da CPI da Violência contra Mulher atuam em parceira, sem brigas ou baixarias - atitudes que fazem do resultado do trabalho um grande zero à esquerda. Ali, a presidente, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), e a relatora, senadora Ana Rita (PT-ES), montaram diversas comissões e, em visita a Minas Gerais e Rio Grande do Sul, por exemplo, descobriram que muitos juízes quando se deparam com esses casos, optam logo pela conciliação, um recurso que as parlamentares já perceberam que não funciona.
Especialistas que elas já ouviram dentro da CPI têm estudos indicando que as denúncias só ocorrem depois de anos de maus-tratos, especialmente, quando se trata do marido. O resultado é que, diante da conciliação, muitos desses casais retornam para casa e a violência continua, com um marido mais raivoso, porque foi denunciado à Justiça pela esposa.
Por falar em Justiça
A CPI também já detectou as dificuldades de julgamentos desses casos, inclusive os de assassinatos. O caso Eliza Samúdio, a ex-namorada do goleiro Bruno, ainda não teve o júri popular. Bruno está preso por cárcere privado e lesão corporal, mas não por assassinato. Já está na Justiça um pedido de liberdade condicional. O caso Sandra Gomide levou 11 anos para ir a julgamento. O caso Thaís Muniz Mendonça - a linda jovem assassinada aos 19 anos em julho de 1987 - também ainda não foi julgado. O acusado, Marcelo Bauer, ex-namorado de Thaís, vive na Alemanha. E, veja bem, leitor, estamos falando de casos que ficaram famosos, com grande pressão popular para que fossem julgados logo.
A sensação de impunidade, somada à falta de estrutura social para atendimento das mulheres vítimas de violência, será o principal foco do relatório preliminar da CPI. A relatora pretende começar a escrevê-lo no recesso de julho. Talvez até nisso a CPI da Violência contra a Mulher se diferencie daquela que trata do caso Carlos Cachoeira, em que o recesso daqui a um mês é visto como o tempo ideal para baixar a poeira e salvar alguns feridos.
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