30 de maio de 2012

O que foi a Rio 92


O Globo, 30 de maio, 2012



RIO — Há duas décadas, o Rio de Janeiro se tornou palco do que ficou conhecida como a mais importante conferência sobre meio ambiente da história. Cerca de 180 chefes de estado e de governo se reuniram no Riocentro, entre os dias 3 e 14 de junho de 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92) ou Cúpula da Terra. Segundo a ONU, nove mil jornalistas de todo o mundo se credenciaram para acompanhar as discussões sobre desenvolvimento sustentável, que tinham sido iniciadas em 1972, na Conferência de Estocolmo, da qual resultou na Declaração de Estocolmo. Segundo especialistas, a Rio 92 consolidou uma agenda global para o meio ambiente.


Em 1988, a Assembleia das Nações Unidas aprovou uma resolução que determinava a realização de uma conferência sobre temas ambientais. O Brasil ofereceu-se para sediar o encontro esperando se tornar um articulador internacional. Os temas propostos para a conferência se pautavam em questões apontadas desde Estocolmo: proteção aos solos, por meio do combate ao desmatamento, desertificação e seca; proteção da atmosfera, por meio do combate às mudanças climáticas; proteção das áreas oceânicas e marítimas; conservação da diversidade biológica, controle de biotecnologia, controle de dejetos químicos e tóxicos; erradicação de agentes patogênicos e proteção das condições de saúde.


Também influenciou a Rio 92 o chamado Relatório Brundtland, documento de 1987 igualmente conhecido como “Nosso Futuro Comum”, que apontava para o risco de esgotamento dos recursos naturais devido ao modelo adotado pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ele recebe o nome da primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, uma das responsável pela consolidação do conceito de sustentabilidade. Em seu discurso, na plenária da Rio 92, Gro defendeu pontos que formam a base da discussão que se dará este ano:
— O tempo é curto para corrigirmos os atuais padrões insustentáveis do desenvolvimento humano. Nós devemos erradicar a pobreza e alcançar mais igualdade dentro e entre as nações. Nós devemos reconciliar as ações humanas e os números humanos com as leis da natureza. Nós todos seremos responsabilizados por eventuais falhas nos acordos do Rio. Pela primeira vez na história da humanidade, em todo o mundo, as pessoas poderão monitorar de perto seus líderes em uma grande conferência através da difusão pela televisão e da cobertura da mídia.
O secretário-geral da Rio 92, Maurice Strong, também presidente da conferência de Estocolmo, tinha fortes expectativas com relação à realização do encontro no Rio de Janeiro.
— É a primeira vez na história que temos uma reunião de todos os líderes de todas as nações da Terra reunidos para tomar decisões que vão literalmente determinar o futuro da Terra. Se nós não o fizermos aqui, se nós não permitirmos nosso interesse comum superar todas estas diferenças e a curto prazo estreitar os interesses próprios, quando iremos fazê-lo? Haverá tempo? — questionava há 20 anos.
Para fechar a conferência, o então presidente Fernando Collor exaltou a realização do encontro, e ressaltou a necessidade de investimentos em meio ambiente:
— Durante pelo menos doze dias, as atenções da humanidade estiveram voltadas para as questões essenciais da vida, do desenvolvimento e da justiça na Terra. O mundo sabe, muito mais do que há 12 dias, que devemos contar com um sistema de mecanismos de financiamento para levar recursos novos e adicionais aos projetos e propostas orientados para o progresso sustentável, atendendo às necessidades dos países em desenvolvimento; as decisões adotadas pela conferência com relação a tais mecanismos constituem passo importante nessa direção.
Já a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou, no início de maio deste ano, no Rio de Janeiro, que a Rio 92 foi uma “conferência de chegada”:
— Ela conclui e legitima as questões das convenções, acordos, e dá para o multilateralismo uma envergadura política para o desenvolvimento sustentável. Ela consolida o pilar ambiental como um pilar fundamental para as questões sobre o desenvolvimento daí para frente. Naquela época, globalizamos o tema ambiental. No momento em que o mundo também estava discutindo outros mecanismos de globalização, econômico, social, político e da informação.


Sociedade civil participou em massa da Rio 92

A cidade fervilhava durante os dias da conferência. Enquanto líderes e diplomatas se reuniam no Riocentro, representantes de movimentos sociais e artistas, tomaram as ruas. Cerca de dez mil pessoas se reuniram num grande encontro da sociedade civil, o Fórum Global, que ocupou o Aterro do Flamengo. A tônica das discussões das ONGs girava em torno da necessidade de energias renováveis e limpas e lutava contra a energia nuclear, a destinação do lixo tóxico, a poluição do ar, o aquecimento global e o consumo de petróleo. Participaram do movimento o então senador norte-americano Al Gore e o líder religioso Dalai Lama.
Na Avenida Rio Branco, uma companhia de teatro francesa encenou cenas de guerra, “a maior ameaça ao planeta”. Nas praias, manifestantes protestavam contra a destruição do meio ambiente. Uma grande marcha tomou conta da na Praia de Ipanema, onde se misturavam Pelé e Shirley MacLaine. Enquanto isso, nas favelas, o exército montou um forte esquema de segurança para a chegada dos chefes de estado e de governo, e áreas foram cercadas. Não se pode esquecer, que há 20 anos, a cidade vivia uma grave crise de segurança, com uma onda de sequestros e disputas entre facções criminosas.
No Riocentro, durante as negociações, muito embates se travaram e, em muitos momentos, havia a dificuldade de se atingir um acordo. Jornais de todo o mundo chegaram a publicar nas manchetes: “Fracassa a Cúpula da Terra”. Entre os obstáculos, estavam a transferência a tecnologia dos países industrializados e a discussão sobre a necessidade de ajuda financeira dos países em desenvolvimento para implementar as metas sustentáveis. Além disso, movimentos sociais se irritaram com a falta de vontade dos Estados Unidos em assinar os documentos propostos. Houve intensos debates fora dos âmbitos oficiais e fortes críticas ao então presidente norte-americano George Bush e sua ausência de liderança em questões ecológicas.


Resultados da Rio 92

Como resultado da Rio 92, houve a assinatura de acordos e o posicionamento de metas para os países. Se em Estocolmo o termo do desenvolvimento sustentável foi lançado, no Rio de Janeiro ele se consolidou num marco legal global. Da conferência, resultaram a Declaração sobre Manejo de Florestas, a Carta da Terra e duas convenções: de Diversidade Biológica e de Mudanças Climáticas. Também foram oficializadas aDeclaração do Rio (princípios gerais do comportamento humano e sua relação com o planeta) e, a mais relevante, a Agenda 21 (um plano de ação para redirecionar as economias e preservar o meio ambiente no século XXI).
O documento da Agenda 21 contém, em 40 capítulos e mais 800 páginas, um detalhado manual para a futura implementação do desenvolvimento sustentável. É um plano de ação para ele ser aplicado na esfera global, nacional e local por organizações das Nações Unidas, governos e grandes grupos em todas as áreas em que a ação humana impacta o ambiente. Ele trata de temas diversos, como padrões de produção e consumo, erradicação da pobreza, políticas de desenvolvimento sustentável, tratando de demografia, proteção à saúde, uso da terra, saneamento básico, energia e transportes sustentáveis, eficiência energética, poluição urbana, proteção a grupos desfavorecidos, transferência de tecnologias, habitação e tratamento de resíduos. Além disso, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) permaneceu como centro de coordenação dos temas ambientais.

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