31 de maio de 2012

Rio+20 e a urgência do homem


ISABEL GNACCARINI


Limitar o aquecimento global a 2°C já parece inalcançável. Reduções nas geleiras que deveriam levar milhões de anos agora levam décadas

Às portas da Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, viramos a ampulheta para o encontro que definirá o "futuro que queremos". Com esse mote, a Rio+20 fará o balanço do ciclo de conferências de 20 anos, desde a Rio-92.
A revisão não é de pouca monta. Estamos tratando de compromissos da agenda global do século 21 (Convenção do Clima, Comissão da Biodiversidade e Agenda 21).
Sem precedentes, foi ratificado há duas décadas o princípio da precaução, um pilar na defesa do bem-estar no planeta contido nos acordos seguintes. Em 1992, foi plantada a semente do Protocolo de Kyoto (1997), que chega ao fim. Naquele momento não tão remoto, a sociedade ganhou participação ativa, levando à ONU demandas de justiça e paz.
Mas algo importante: o que de fato irá ocorrer em junho está em descompasso com a urgência dos efeitos perversos sobre o ambiente.
Ao dar ênfase à economia verde como um novo caminho para o desenvolvimento sustentável, deixamos de evidenciar que nenhuma pauta valeria sem a confirmação da aceleração nas mudanças climáticas pela atividade humana, verdadeiro vetor que modifica a capacidade humana de sobreviver no planeta.
Brice Lalonde, coordenador-executivo da Rio+20, mostra o descrédito sobre as decisões que hoje poderiam mudar radicalmente a realidade, limitando o aquecimento a 2ºC: "Já parece inalcançável essa meta. Especialistas de todo o mundo temem que a humanidade seja incapaz de colocar fim à destruição da Terra". A experiência remonta às negociações do clima de 2007 a 2011.
Eneas Salati, engenheiro agrônomo e livre docente em física e meteorologia pela USP, segue a ideia do descompasso entre as urgências na escala planetária e as negociações. Aos 79 anos, foi um dos raros brasileiros a participar do primeiro relatório do IPCC, em 1990, a base para a carta oficial da Rio-92.
Para ele, a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana se evidencia na diminuição do gelo nas geleiras eternas. E, ainda que o cientista britânico James Lovelock tenha mudado, aos 92 anos, seus sombrios prognósticos, o equilíbrio planetário pode estar fora de controle -desastre às pessoas mais fragilizadas e ameaça aos negócios no mundo.
Uma observação: nenhum cientista bem intencionado nega que as glaciações sejam naturais, em escala de 20 a 30 milhões de anos. O que se constata é que mudanças climáticas estão sendo aceleradas pelo homem para uma escala de décadas.
As propostas para evitar ou retardar os efeitos estão nos relatórios da ONU. A economia verde, então, deveria ser vista mais como um conjunto de soluções pragmáticas contra as mudanças do clima e menos como apanágio para as questões de fundo do sistema injusto.
A depender do compasso das negociações, será difícil esperar da Rio+20 uma decisão para os enormes desafios a que estamos circunscritos. As decisões foram tomadas, cabe chancelá-las. Soma-se o fato de os países mandatários, com conjuntura econômica desfavorável e eleições internas, não terem como prioridade as decisões da Rio+20.
O caso é esperar pelo não retrocesso, pelo alinhamento com os princípios históricos já acordados. Quem sabe as lutas ecológicas, que correm pelas moléculas sociais desde os anos 1960, possam impulsionar a ampulheta burocrática, empurrando os interesses individuais para a urgência que pedem os interesses coletivos. É o futuro que queremos.

ISABEL GNACCARINI, 45, é jornalista especializada em meio ambiente. Trabalhou na Folha, no "Estado de S. Paulo" e no "Valor Econômico"
F.de W.Paulo,31/05/2012

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