20 de maio de 2012

Violencia no México: ‘O Estado faz parte da violência no México’, diz especialista


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CIDADE DO MÉXICO — Edgardo Buscaglia acabava de voltar do estado de Durango, um dos mais violentos do México, quando descreveu ao GLOBO o cenário de um país dominado. Presidente do Instituto de Ação Cidadã do México e pesquisador da Universidade de Columbia (Nova York), Buscaglia afirma que mais de 70% dos municípios mexicanos estão sob a influência do narcotráfico, o que provoca grande deslocamento de civis e pequenos empresários à capital. Para o especialista, o México ainda não superou a transição de governos autoritários. Ele diz que o panorama só mudará quando a elite política sentir a dor causada pelo crime.
O GLOBO: O Instituto de Ação Cidadã afirma que ao menos 71% dos municípios mexicanos estão sob a influência do narcotráfico. Como se exerce esse domínio em quase todo o país?
EDGARDO BUSCAGLIA: No interior do país existe um cenário dantesco de crimes de impacto contra civis e empresas. É algo que eu não via desde a fase mais crítica da Colômbia. Locais como Tampico, Ciudad Victoria ou Veracruz convivem com altos índices de extorsão e assassinatos por falta de pagamentos aos grupos delinquentes. É uma atividade criminosa maciça em meio à impunidade de um Estado que foi superado. Antes havia a presença de infraestrutura delinquente, agora já se veem grandes deslocamentos de populações em direção à capital. São donos de pequenos negócios que fogem para áreas onde existe menos extorsão. Os delinquentes estão tomando terras de proprietários em Campeche, Veracruz e no Norte do país. Eles fazem escrituras em nome de pessoas ligadas a grupos criminosos. É um panorama de desintegração econômica, social e política, já não é um problema de narcotráfico no sentido tradicional.
Por que quase não se fala sobre esse deslocamento à capital?
BUSCAGLIA: Ele ainda não é percebido com o mesmo caráter de emergência nacional vivido em Durango ou Veracruz. Isso se deve a uma campanha midiática arquitetada por empresários e pelo governo, que tem um caráter empresarial. Cada vez que surge um problema, o governo se fixa nos fluxos de turistas e em como sua redução afetaria os investimentos. A vida humana no interior do país vale muito pouco. Mas chegamos a uma situação em que, por mais que os meios de comunicação internacionais sejam amistosos com o México por sua amigável política de investimentos, já não se podem ocultar 49 corpos (como os encontrados em uma estrada de Nuevo León no último fim de semana), nem fossas comuns com centenas de pessoas. Se isso acontecesse na Venezuela ou na Argentina, cujos governos não são tão abertos aos investimentos estrangeiros, o tema já estaria na capa de todos os jornais internacionais.
O problema é antigo, mas qual é a origem?
BUSCAGLIA: Há anos as instituições são capturadas por grupos criminosos. Há policiais estaduais aliados ao Cartel de Sinaloa assassinando policiais municipais ligados aos Zetas. O Estado faz parte da violência devido a essa corrupção descontrolada. Isso se origina normalmente em países que sofreram transições políticas de regimes autoritários e passam a um sistema de competição eleitoral mafiosa onde não se exerce nenhum tipo de controle, baseado num acordo em que as facções políticas pactuam que tipo de juízes, promotores e polícia vão controlá-los. Não há um acordo assim no México, o país ainda não terminou a transição política. Com os controles do Estado desmantelados, os grupos criminosos começaram a disputar o território e se apoderar dele. Isso aconteceu na Rússia com Boris Yeltsin. Quando Putin assumiu e impôs controles autoritários, empresários mafiosos começaram a ser detidos. De alguma maneira o Estado mexicano deve ser reconstituído, seja com um Estado de direito com pacto político ou acudindo a ações autoritárias, que não são recomendadas por serem soluções de curto prazo.
O que impede que esse controle seja retomado pelo Estado?
BUSCAGLIA: Ele não convém às facções políticas. Os fluxos de dinheiro que entram nas campanhas são enormes. Os políticos vivem na mais obscena opulência, com fontes de renda que só vi na Rússia, e as campanhas mais caras do planeta. O problema do crime organizado no México é basicamente político.
O senhor acredita que o atual contexto de violência possa influenciar as eleições presidenciais de julho?
BUSCAGLIA: O governo federal não pode evitar que dinheiro ilícito entre nas campanhas, porque já está infiltrado. Mas pode criar cordões sanitários ao redor das zonas eleitorais para que as pessoas votem. A guerra na Colômbia não impediu que as pessoas fossem às urnas. Estive no Afeganistão durante as eleições, e se o país conseguiu realizar votações, o México também pode. Interromper o processo eleitoral, como já vi alguns movimentos sugerirem, seria dar uma vitória enorme às máfias. Aí certamente falaríamos de um Estado falido.
O senhor vê a segurança como uma prioridade para os candidatos presidenciais?
BUSCAGLIA: É um tema prioritário porque poderia custar votos se não falassem dele. Mas os candidatos não têm capacidade de propor soluções viáveis. Neste ambiente de fragmentação política, um juiz não consegue investigar, processar nem punir políticos e empresas ligadas aos partidos mexicanos.
O governo anunciou a detenção de três generais que estariam ligados ao narcotráfico.
BUSCAGLIA: São generais que perderam seus aliados políticos. Os que são protegidos são intocáveis. Temos o exemplo do Regimento 21, do Nordeste do país, capturado pelo Cartel do Golfo. Em vários círculos se comenta de líderes do Cartel de Sinaloa que usam helicópteros do Exército. Fragmentos das Forças Armadas estão dominados. Mas é claro que há uma proteção política que permite a impunidade.
Que futuro os mexicanos devem esperar?
BUSCAGLIA: O maior problema não são os homicídios. Nos países onde mais se consolida o crime organizado, como a Rússia, os homicídios caem a quase zero. Isso não quer dizer que o país não esteja mais sob domínio da máfia. A atenção deve ser aos indicadores de extorsão, sequestros, tráfico de pessoas. Esses índices continuarão aumentando até a elite política sentir a dor causada pelos grupos criminosos. Isso aconteceu na Colômbia nos anos 1990, com candidatos assassinados e empresários ameaçados com carros-bomba.
Que lição o México pode aprender com a Colômbia?
BUSCAGLIA: Os colombianos tomaram medidas sérias de controle. Houve uma reação da classe política, ciente de que estava sendo aniquilada pelos grupos criminosos que antes eram aliados. Os partidos não gostam de tomar medidas duras porque faturam milhões em financiamento de campanhas e com dinheiro ilícito. Mas quando a dor da violência chega à sua casa, agem. A Colômbia aplicou uma reforma judicial séria na qual juízes, promotores e policiais foram submetidos a controles internos, e adotou sentenças que diminuíram impunidade, extorsões e sequestros. Também se buscou o desmantelar o patrimônio desses grupos e das empresas que os apoiavam. No México não existem sentenças de desmantelamento de um grupo criminoso. A Itália processou 35% dos parlamentares de diferentes partidos, e a Colômbia, 32%. Também houve maior blindagem de processos eleitorais e apoio a programas sociais. São revoluções políticas causadas pela dor que a elite partidária sente quando vê que os monstros que criou começam devorá-la.

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