18 de abril de 2011

O silêncio do bullying


18 de abril de 2011
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O silêncio do bullying »

Mãe de um menino hoje com 11 anos, uma psicopedagoga, moradora da Zona Norte, conta que passou, entre 2009 e 2010, por um dos períodos mais difíceis de sua vida. Poucos meses após ter matriculado o filho numa nova escola, percebeu as primeiras marcas de agressão na criança. A situação foi se agravando e, apesar dos apelos, ela diz ter sofrido com o descaso do colégio. O relato exemplifica aquele que ainda parece ser um tabu em muitas salas de aula: o bullying. Apesar de uma lei estadual, sancionada em setembro do ano passado, determinar que as instituições de ensino públicas e particulares notifiquem todos os casos de bullying à polícia ou aos conselhos tutelares, um levantamento feito pelo GLOBO mostra que a regra não tem sido obedecida na prática. - Meu filho chegou ao ponto de ter uma crise renal em consequência do que sofria na escola. Descobrimos que outros alunos não o deixavam ir ao banheiro, alegando que assim ele estaria cumprindo uma prova para poder pertencer a um grupo. Levando em conta que o bullying resulta em lesões corporais, ofensas morais e danos psicológicos, a escola não poderia ter ficado inerte aos fatos - reclama a psicopedagoga, que teve que trocar o colégio da criança e está finalizando um livro contando os problemas por que passou.
Prática é ligada a vários delitos
Sem encontrar eco na instituição de ensino, um dos caminhos adotados pela mãe foi procurar o Conselho Tutelar da região. A partir da lei do ano passado, a iniciativa obrigatoriamente deveria ser das próprias escolas, sob pena de multa de até 20 salários-mínimos, mas não é o que tem ocorrido. O GLOBO entrou em contato com os dez conselhos da capital. Em oito, a informação foi a mesma: com raríssimas exceções, os relatos de bullying sempre chegam somente através dos pais. Um conselho não quis passar informações sobre as notificações e no outro, ninguém atendeu às ligações.
O delegado Fábio Corsino, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav), também afirma que não tem sido informado pelos colégios.
- Seria importante que essas notificações chegassem; a escola tem a obrigação de agir. O bullying em si não é tipificado como um crime, mas pode haver uma série de delitos envolvidos nessa prática, como lesão corporal ou constrangimento ilegal. O ideal é que possamos fazer uma avaliação caso a caso - diz Corsino, ressaltando que a unidade conta com profissionais de apoio, como psicólogos.
Apesar de a lei estar em vigor há mais de seis meses, o deputado autor do texto, André Corrêa (PPS), atual líder do governo na Alerj, admite que a regra não vingou. Até agora, segundo o parlamentar, nenhuma escola foi multada: - Realmente, ainda há um desconhecimento muito grande da lei.
O bullying não é novidade nas escolas, mas a discussão em torno do problema voltou à tona nos últimos dias após a divulgação de relatos em que Wellington Menezes de Oliveira, responsável pelo massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, utiliza agressões sofridas no colégio como uma das justificativas para a carnificina. Autor do livro "Manual antibullying", o psiquiatra Gustavo Teixeira afirma que, isoladamente, a prática não pode ser considerada responsável pela tragédia: - O bullying pode ter sido um dos gatilhos, mas para uma pessoa que já tinha uma doença psiquiátrica. O que pode ter ocorrido é que a prática acabou fazendo com que aquela loucura fosse ambientada na escola, como ocorreu.
Com ampla experiência no tratamento de casos de bullying, o psiquiatra acredita que a melhor fórmula de atacar o problema é a união entre a família e a instituição de ensino: - Não é algo que vá se resolver por lei ou por decreto. O que se mostra eficiente é a parceria entre o colégio e os pais, além de uma política pública sistemática, que hoje não existe.
Teixeira ressalta que o bullying é definido por um comportamento agressivo de forma continuada entre estudantes, em que a vítima não tem condições de se defender. Os primeiros sinais podem ser uma maior introspecção da criança ou medo de ir à escola.
Na rede pública, não há dados estatísticos sobre o bullying, mas tanto estado quanto prefeitura garantem estar preocupados com a questão. A Secretaria estadual de Educação informou, através de sua assessoria de imprensa, que desenvolveu um formulário específico para a notificação dos casos. Foram disponibilizados ainda dois telefones para informações: 2333-0753 e 2333-0754.
A Secretaria municipal de Educação informou que, em abril do ano passado, lançou o Regimento Escolar, que proíbe a prática do bullying, seja através de agressões físicas, verbais ou mesmo pela internet. Foi feita uma campanha, cujo vídeo está disponível no site youtube (www.youtube.com/multiriosme), de alerta para a discussão do tema.
- Temos ainda a previsão para os próximos meses da contratação de mais funcionários de apoio para as escolas, o que tende a facilitar a identificação dos casos. Também começaremos em maio um projeto de Justiça Restaurativa em 151 unidades. A ideia é, por exemplo, que um aluno que tenha feito uma charge humilhando um colega faça um poema para a turma com um conteúdo oposto - acrescenta a secretária municipal de Educação, Claudia Costin.
Internet para o mal e o bem
Um dos mais atuantes nos casos de bullying, o Conselho Tutelar da Zona Sul tem apostado numa estratégia semelhante. O conselheiro Edmilson Ventura conta que uma das iniciativas de maior sucesso nos últimos tempos foi a criação um blog para a divulgação dos direitos de crianças e adolescentes. O site foi desenvolvido por estudantes de classe média alta de uma escola particular, que haviam usado uma rede de relacionamentos para insinuar que uma colega estaria tendo um caso com uma professora.
- Já tivemos 28 adolescentes com comportamento agressivo que fizeram trabalhos voluntários, sempre com bons resultados. É preciso que haja uma consciência maior de que o conselho não tem papel punitivo, mas sim é um importante mediador nesse tipo de questão - comenta Edmilson.
A falta de notificação aos conselhos não é considerada preocupante por Edgar Flexa Ribeiro, vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Rio (SinepeRio), entidade que reúne as escolas particulares da capital: - Esse é um problema que nem sempre se resolve com denúncia. O que o Conselho Tutelar pode fazer? Não podemos aprovar nem permitir o bullying, mas é possível solucionar a questão dentro da escola, sem demonizar.
Conselheira tutelar do Centro, Márcia Regina Alves da Silva afirma que é preciso ficar atento às consequências: - Tivemos um caso recente de uma aluna de uma escola na Mangueira que correu no meio de uma avenida movimentada fugindo de colegas que a xingavam. Por sorte, não foi atropelada.
A lista completa dos conselhos pode ser obtida no site da Secretaria municipal de Assistência Social (www.rio.rj.gov.br/web/smas). O telefone da Dcav é 2333-4113. As delegacias regionais também podem registrar os casos.
Fonte: O Globo

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