Universidade do Século 21: Ensino e pesquisa à altura dos tempos
26 de Abril de 2011.
José Ortega e Gasset, considerado o maior filósofo espanhol do século XX, batizou a frase de que o homem deve viver a "altura dos tempos" e especialmente na altura das idéias do tempo. Nestas linhas desejo comentar algo do pensamento de Ortega escrito em 1930 no livro "A missão da Universidade" e que conserva plena atualidade.
Para Ortega, cultura é o sistema vital das idéias de cada tempo. Vital porque delas se alimenta a vida social. Não interessa se essas idéias são científicas ou não. Cultura não é ciência ainda que atualmente boa parte da cultura seja originária da ciência.
Escreve que a Universidade de sua época complicou o ensino profissional (mais enciclopédico), e eliminou quase por completo a transmissão da cultura, ainda que incorporasse a pesquisa científica na universidade da Idade Média. Assim, a Europa pagava funestas consequências, o inglês, o francês, o alemão eram incultos, não possuíam o sistema vital de ideias sobre o mundo e o homem correspondentes ao seu tempo. Essas pessoas eram novos bárbaros, atrasados a respeito de sua época e resultavam assim primitivos.
Sem dúvida a sociedade necessita de bons profissionais: médicos, juízes, engenheiros, mas antes disso necessita ensinar uma capacidade de outro tipo: a de "mandar". Por mandar, Ortega não compreende o exercício jurídico da autoridade, mas a pressão e influência sobre o corpo social. Influência que é dada pela verdadeira autoridade que emana não de um cargo, mas de uma personalidade formada e fundamentada no amor, na verdade e na justiça. Por isto é fundamental que os profissionais sejam formados para viver e influir vitalmente à altura dos tempos.
Segundo Ortega foi necessário esperar até o inicio do século XX para ver algo incrível, a brutalidade com que se comporta um homem que sabe muito de uma coisa e ignora a raiz de todas as demais. Este mesmo autor escreve ainda que exista outro tipo de bárbaro moderno que é aquele que sabe um pouco de tudo e nada em profundidade.
No entanto, existe um aspecto que Ortega discute em 1930, mas que agora é muito mais importante, quando manifesta que não existe na vida pública mais poder "espiritual" que o Jornal. Ortega escreve que a vida pública necessita sempre ser regida e que em aquelas datas haviam desaparecido os antigos poderes espirituais: a Igreja porque abandonou o presente e a vida pública é atualíssima, e o Estado porque na democracia é governado pela opinião pública. Assim, a vida pública foi entregue a quem por oficio se ocupa da atualidade: o Jornal (atualmente em especial a TV e Internet).
Deste modo, por ausência de outros poderes, eram os jornalistas, que não somente eram uma das classes menos cultas de sua época, mas que admitiam alguns pseudo-intelectuais cheios de ressentimentos e ódio para com o verdadeiro espírito, os que dirigiam a sociedade.
Ortega demonstra que a vida real é pura atualidade, mas que a visão jornalística reduz o atual ao instantâneo, ao ressonante. Por isso o mundo aparece na consciência pública sob uma imagem invertida: do importante que perdura de uma coisa ou pessoa, não se comentará, mas se destacará o que é um sucesso, uma notícia. Ortega opina igualmente que não deveriam obrar sobre os jornais os interesses, muitas vezes inconfessáveis, de suas empresas, que o dinheiro deveria ser castamente eliminado de influir na doutrina dos jornais. Assim escreve: "Não pouco do giro grotesco que hoje padecem as coisas - Europa caminha desde muito tempo com a cabeça para baixo e os pés fazendo piruetas no alto - deve-se ao império indiviso da imprensa única 'poder espiritual'". (Que diria agora do poder da TV, internet, etc., que é muito maior).
Este grave problema se manifestou na segunda guerra mundial e nos diversos genocídios realizados por violentas ditaduras na Europa do século XX.
Ortega apresenta o problema de forma dramática escrevendo que era questão de vida ou morte para Europa retificar a situação e que para isso devia a "Universidade intervir na atualidade como tal Universidade" tratando os grandes temas do dia desde um ponto de vista cultural, profissional, científico. Que a mesma deveria impor seu "poder espiritual" superior frente à imprensa, representando uma discussão séria e científica frente à frivolidade.
Devemos lembrar e ter sempre presente que não existem grandes países sem grandes universidades. Os países atingem o desenvolvimento porque as universidades formam recursos humanos capacitados e abrem caminhos para a criação tecnológica pela pesquisa científica. Os Estados Unidos, atualmente, considerando este último fator, estão prontos para realizar a maior inversão de sua história para conseguir um maior número de universitários do que qualquer outro país do mundo.
Neste sentido, é urgente e dramático nossas universidades organizarem sua estrutura com uma filosofia coerente (atualmente uma mistura das universidades napoleônica e americana) continuando e atualizando a obra de grandes pensadores brasileiros como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, e conciliá-la com sua severa obrigação de ser um verdadeiro formador de opinião pública de qualidade.
Para isto, deve ter a capacidade de realizar pesquisas de ponta a fim de criar e transferir novas tecnologias às empresas e deve procurar solucionar problemas culturais deste momento histórico.
A universidade, para estar à altura dos tempos deve, igualmente, dar e estimular uma discussão transparente sobre grandes problemas culturais mundiais e nacionais como, por exemplo, na área de alimentos: o emprego de transgênicos; na área de energia: sobre novas formas de energia sustentáveis; sobre população: todos os problemas da bioética de controle da natalidade, aborto etc.; na área da pobreza: como dar uma real solução aos problemas de vivenda, sanidade, saúde; na área política: discutir o que significa uma verdadeira democracia aqui e agora; e finalmente na importantíssima área da educação: como formar o novo cidadão responsável pela sua família, pelas instituições, pela sua dignidade pessoal e comunitária, pelo seu destino último. Uma verdadeira universidade não pode fugir destes problemas culturais pela necessidade vital de conservar a identidade brasileira frente ao avanço da globalização.
Ortega escreve em 1930 com toda clareza "a demolição de nossa Europa, visível hoje, é o resultado da invisível fragmentação que progressivamente tem padecido o homem europeu". Assistimos hoje a uma demolição do homem brasileiro e latino-americano por uma filosofia relativista e hedonista que leva à perda do sentido da pátria, da comunidade, da verdade, da justiça, da fé e como conseqüência de todos os valores humanos. Nossa situação universitária tem algumas similaridades com aquela que Ortega claramente indicava.
Assim, é dever da universidade uma urgente formação em um novo humanismo que permita a cada aluno ser um cidadão com uma profissão, um homem com um claro sentido da vida, da família, da sociedade e do país. Um homem que ama a verdade e a justiça, que não vai renegar da tradição, mas que vai orientar essa tradição para um futuro de convivência mais solidária e fraterna.
Colocar nossas universidades à "altura dos tempos" é de vital importância para nossa sociedade e nosso País. Devemos nos conscientizar disto em todos os níveis sociais para salvar não somente o Brasil mais toda a América Latina.
Todos deveriam participar desta discussão.
* Rosendo A. Yunes é Pesquisador Sênior CNPq e Professor Voluntário da Univali.
Jornal da Ciencia
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