9 de janeiro de 2012

Censura Cultural na China


Roteiro antiquado
Censura do governo chinês a produtos da indústria cultural colide com dinamismo econômico do país e sua ocidentalização
Seria difícil incluir o escritor George Orwell (1903-50) entre os pensadores mais otimistas do século 20. Como se sabe, o autor de "1984" e "A Revolução dos Bichos" expressou, em fábulas de pesadelo, extremo desencanto diante da mitologia política de sua época. Mesmo assim, num ensaio escrito em 1946, momento em que era incontestável o poderio da União Soviética, Orwell arriscou-se a uma previsão pouco sombria.
Não eram poucos, naquele momento, os que apostavam no avanço irrefreável das organizações totalitárias sobre o Ocidente. Planejamento econômico, repressão política, ausência de escrúpulos morais constituiriam uma fórmula contra a qual as hesitações e porosidades do sistema democrático não conseguiriam, a longo prazo, resistir.
Orwell refutava esse raciocínio lembrando que, por alguns anos, a dureza e a eficiência da Alemanha hitlerista também pareceram invencíveis.
Mas nenhum regime dedicado a suprimir sistematicamente a liberdade, argumentava o escritor, pode sobreviver a longo prazo. A escravidão -este é o termo que utilizava- não apenas nega uma aspiração humana básica, como também se revela um entrave à eficiência, à racionalidade e à criatividade de qualquer sistema produtivo.
O retumbante sucesso econômico da China nas últimas décadas não desmente as convicções de Orwell. A persistência de um regime repressivo na segunda maior economia do planeta parece representar mais uma contradição a ser superada do que uma garantia de futuro.
Uma recente decisão da burocracia chinesa agrega novos elementos ao esquema aventado por Orwell. Preocupadas com a invasão dos programas de entretenimento americanos, as autoridades resolveram cortar dois terços desse tipo de conteúdo nos canais de televisão chineses.
Programas de auditório e enlatados de aventura podem não ser o melhor exemplo da criatividade humana ou da plena liberdade de expressão e crítica. Mas é significativo que o governo chinês volte sua rigidez censória contra esse tipo de entretenimento.
Os produtos da indústria cultural estão num ponto intermediário entre o que é simples artigo de consumo e o que é realização artística. O crescimento econômico tende a acelerar, precisamente, a demanda por eles -e é nesse ponto que os vetos autoritários podem se tornar menos toleráveis para a grande parcela da população.
O próprio dinamismo da economia e da sociedade daquele país, que se ocidentaliza, tende, no médio prazo, a diminuir as chances de êxito para os burocratas de plantão. A censura anunciada parece mais uma homenagem formal a velhas tradições do que medida efetiva a ser sustentada no futuro.

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