14 de janeiro de 2012

Hélio Schwartsman - O Haiti é aqui


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SÃO PAULO - A chegada, vá lá, maciça, de haitianos ao Brasil é uma ótima oportunidade para refletir sobre o que transforma grupos de pessoas em povos. E a nossa reação à, vá lá, invasão é uma medida insofismável de nossa generosidade.

A discussão sobre o que constitui um povo não é nova e permeou parte do século 19. A contraposição básica é entre o "jus sanguinis" (direito de sangue), pelo qual a nacionalidade de um indivíduo é dada por sua ascendência, e o "jus soli" (direito de solo), pelo qual ela decorre do local de nascimento ou, de modo um pouco mais fraco, do lugar que a pessoa escolheu para viver.

Mais do que uma minudência jurídica, a distinção traz consigo duas visões de mundo antagônicas.
Como regra geral, a maioria dos países europeus adotava o "jus sanguinis" -a exceção é a França pós-revolucionária. A ideia aqui é que é o passado comum, consubstanciado em categorias como sangue, raça e língua, que forja uma nação. A nacionalidade se torna assim um atributo imutável do indivíduo. Essa concepção encontra amparo nos textos de pensadores românticos, notadamente o alemão Johann Gottlieb Fichte (1762-1814).

Menos essencialista e, por isso mesmo, mais democrático, o "jus soli" encontrou seu maior advogado no filósofo francês Ernest Renan (1823-1892), que escreveu em meio à disputa entre a França e a Alemanha pelo controle da Alsácia-Lorena. Para ele, o que definia um povo era a vontade das pessoas de construir um futuro juntas. A existência de uma nação, dizia, era um "plebiscito diário" e envolvia "ter feito coisas grandes juntos e querer fazer ainda mais". Não é coincidência que quase todos os países do Novo Mundo tenham adotado o "jus soli".

Assim, restringir a concessão de vistos a haitianos como parece querer parte do governo é uma ideia que vai contra o espírito que presidiu a própria criação do Brasil. 

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