8 de janeiro de 2012

'Investimento em 1ª infância é o mais essencial'


Crianças pobres não estão condenadas a rendimento educacional mais baixo, mas bons programas são necessários, diz pediatra

08 de janeiro de 2012 | 3h 05
O Estado de S.Paulo
A ciência dirimiu todas as dúvidas quanto à relevância social da educação na primeira infância - entre 0 e 6 anos. Falta agora os gestores públicos acordarem para o tema, afirma o pediatra Jack Shonkoff, do Centro para o Desenvolvimento Infantil, de Harvard. O pesquisador americano reconhece a dificuldade de convencer políticos a investir tempo e recursos em projetos que só darão frutos quando tiverem deixado o cargo. Ele veio recentemente a São Paulo para o Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, organizado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, e falou ao Estado sobre as descobertas na área.
Qual é o estado atual do conhecimento sobre educação na primeira infância?
Houve uma revolução. Durante décadas, observávamos claramente como uma família preocupada com a educação das crianças na primeira infância poderia exercer um poderoso estímulo no seu desenvolvimento. Também ficava patente que a exposição precoce a ambientes violentos tem um impacto muito negativo.
Agora, começamos a entender como esses fatores de estímulo ou estresse influenciam a fisiologia da criança com menos de 6 anos, especialmente o cérebro. Tal conhecimento ajuda muito na hora de pensar intervenções para diminuir o abismo que separa crianças que receberam uma educação adequada daquelas expostas a um ambiente ruim.
Quais intervenções são possíveis com esse conhecimento?
Precisamos identificar qual é a situação da criança. Há muitas famílias pobres que dão uma excelente educação para os filhos. Elas só não têm dinheiro e informação. Nesse caso, basta organizar programas que ofereçam informação para os pais e escolas de boa qualidade mantidas com dinheiro público.
Crianças submetidas a um ambiente marcado por doenças mentais, drogas ou relacionamentos violentos são um problema bem mais complexo. A ciência tem mostrado que o impacto do estresse nessa fase é tão grave que aumenta o risco de hipertensão, diabete e cardiopatias na idade adulta. Naturalmente, o cérebro é o principal afetado com danos comprovados em diversos circuitos. Educadores - e, na medida do possível, os pais - precisam identificar com precisão qual é o fator de estresse e tentar criar um espaço de segurança ao redor da criança. Precisarão ensinar a ela técnicas para lidar com as situações negativas, minimizando os danos. Sem isso, prover os estímulos tradicionais é insuficiente, porque eles não serão eficazes para corrigir os prejuízos sofridos na afetividade e cognição.
O que diferencia os programas de sucesso dos ineficazes?
O principal fator determinante para o sucesso de um programa é o treinamento adequado dos educadores. Há uma tentação de pagar pouco para esses profissionais, o que é uma economia ilusória. O resultado que você consegue por cada dólar investido cai bastante. E a qualificação é tanto mais necessária quanto maiores são os dramas enfrentados pelas crianças. O número de adultos necessários ao lado das crianças é também maior quanto mais novas elas são. Quinze crianças de 3 anos para um único adulto, por exemplo, é uma situação enlouquecedora. Além disso, um único programa aplicado para toda a população costuma ter resultados ruins. É preciso conceber diferentes programas que correspondam às necessidades específicas de cada grupo. Os pais continuam sendo os atores mais importantes na educação dos filhos. Programas que conseguem engajá-los na formação das crianças apresentam taxas de sucesso muito maiores. Mas são necessário programas especiais para grupos de risco.
Qual deve ser o foco da educação nessa fase da formação?
O estímulo do uso da linguagem - conversar muito com as crianças, ler para elas. Só assim elas conseguem criar sua própria linguagem.
Como medir o progresso das crianças no início da infância?
Por um lado, é muito fácil. Há protocolos científicos bem estabelecidos que conseguem avaliar as aptidões desenvolvidas desde cedo. Testes, por exemplo, que avaliam a resposta a estímulos visuais com base no movimento dos olhos da criança. A dificuldade não está aí, mas na imensa variabilidade do ritmo de desenvolvimento de uma criança para outra. Por isso, precisamos de pessoal qualificado para interpretar os resultados dos testes tendo em conta esta variabilidade. Sem isso é impossível identificar se os métodos pedagógicos estão produzindo resultados adequados e tomar decisões racionais baseadas em evidência. Consequentemente, o dinheiro investido pode estar escoando pelo ralo.
Em um País como o Brasil, com um sistema educacional público imenso e repleto de problemas, vale a pena falar em investimentos na primeira infância?
Sem dúvida alguma. Precisamos tomar a decisão política de priorizar a primeira infância. O Brasil é um país que está crescendo economicamente mas ainda sofre com uma distribuição de renda muito desigual. Tem uma necessidade enorme de capital humano.
Devemos compreender de uma vez por todas que crianças que nasceram em uma família pobre não estão necessariamente condenadas a um subdesenvolvimento cognitivo. Não precisa ser assim. E o dinheiro investido na primeira infância apresenta a melhor relação custo-benefício de todos os investimentos feitos em educação.
A segunda decisão política a ser tomada é reconhecer que, para grupos restritos da população, estímulo educacional não é suficiente. Para famílias em situações de maior vulnerabilidade, são necessários programas para diminuir e compensar os fatores de estresse na educação das crianças.
A sociedade deve perceber que o investimento na primeira infância compensa. Além de aumentar a população economicamente ativa no futuro, reduzirá também o número de pessoas que vai parar nas prisões. Há estudos que comprovam isso. Precisamos perceber que a sociedade é a maior beneficiada. / A.G.

Nenhum comentário:

Postar um comentário