13 de maio de 2012

Entre quatro paredes: a violencia no Brasil

Gazeta do Poco, Opinião, Mayo 13, 2012


O Brasil é o sétimo país do mundo onde mais mulheres são mortas. A rotina de agressões domésticas, contudo, é uma estatística no vazio
Uma cena do pouco conhecido documentário Socorro Nobre, de Walter Salles Júnior, mostra uma cadeia feminina durante a noite. As detentas dormem. Na parede, há um relógio e uma frase pichada: Eu amei o homem errado . É tão engraçado que só pode esconder uma verdade o chamado amor bandido ainda explica parte da criminalidade praticada por mulheres. Sabe-se que muitas se alistam no tráfico por causa dos maridos e companheiros, não raro ainda na adolescência, e que teimosamente tendem a assim permanecer.
O Brasil consegue contabilizar suas criminosas, mas patina a cada vez que tenta saber quantas mulheres são alvo da violência, particularmente a doméstica. Qualquer número é sempre menor do que a realidade.
Por causa dos filhos, da paixão e do medo para citar três elementos da vulnerabilidade feminina mulheres relutam em fazer denúncias, colaborando para que qualquer estatística sobre o assunto soe sempre duvidosa. Difícil quem não tenha pelo menos uma conhecida vítima de agressão. O silêncio das mães, donas de casa, esposas é flagrante não só nos levantamentos policiais é um problema de saúde pública. Os médicos de prontos-socorros só fazem é suspeitar da agressão contra a mulher, mas não podem prová-la. As lesões ficam registrados nas fichas como causadas por caixas que caíram de cima do armário, ou escorregões na cozinha.
Se a mulher for de classe média ou escolarizada, os eufemismos são ainda mais criativos: apanhar do marido é um estigma que criatura alguma quer carregar.
O Mapa da Violência 2012, recém-publicado, parece ser um desmentido da passividade feminina na hora de fazer denúncias. São, afinal, números expressivos, principalmente quando somados a dados levantados por núcleos especializados na questão, como o Instituto Patrícia Galvão e o Instituto Sangari. A cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil. Foram 43 mil mulheres assassinadas apenas na última década. A cada duas horas, um homicídio. Cerca de 69% das agressões acontecem em casa. A reincidência pode chegar a espantosos 62% dos casos.
Pois a conta deve ser muito maior. E pior do que isso, não se trata de um dilema em via de solução. Nem a Lei Maria da Penha deu jeito. Mulheres vão continuar alegando terem sido vítimas das caixas que caem do armário. A denúncia em delegacias implica um custo-benefício que a mulher agredida não pode arcar, o que há de garantir, por muito tempo ainda, números de uma parcialidade gritante.
A rede garantiria o sigilo, o aconselhamento, o apoio jurídico, a busca de estratégias para driblar o marido agressor, empoderando como se diz no movimento social a mulher para que possa reagir. Mais do que isso. Garantiria manter a violência contra a mulher no rol dos grandes assuntos nacionais, pois abasteceria um banco de dados muito mais confiável e dialogaria com setores como a educação e a saúde, e não apenas com os órgãos de segurança pública.
Não é raro encontrar quem pergunte por que a Lei Maria da Penha é pouco citada pelos órgãos de comunicação. Faltam mecanismos e ciência às delegacias da mulher para dialogar com a sociedade, repassando-lhe informações novas, acompanhando o debate do assunto em instâncias que não as policiais. É nesse mundo além-delegacia que essa história tende a mudar.
É assunto delicado. Implicaria criar estruturas ou adaptar as existentes para cuidar não só da infância e da terceira idade, mas também das mulheres.
Há outro silêncio que ronda a questão, o silêncio da sociedade organizada, que entende a mulher vítima da agressão como indiretamente responsável pelo que lhe acontece. Uma pena perpetuar esse pensamento medieval. A grande violência nasce da pequena, expressa num grito, num apertão de braço, na tortura cotidiana, situações escondidas debaixo da frase banal de que ninguém deve se meter no que acontece entre quatro paredes. Ali, contudo, também dormem presas mulheres que amaram o homem errado.

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