11 de maio de 2012

Moisés Naím - O choque ideológico do século 21?


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Quem teria imaginado que o principal debate ocidental se reduziria a tomar partido sobre a política monetária? 



OS CONFRONTOS da humanidade costumavam ser causados por disputas religiosas, pela captura de novos territórios e suas riquezas ou pela ideologia. As cruzadas, as guerras entre os diferentes papados, as expansões de impérios e as guerras de independência servem de exemplos.
No século passado, tivemos os nazistas contra os aliados, a União Soviética e seus satélites contra os Estados Unidos e seus aliados, o capitalismo contra o comunismo, democracias contra regimes autoritários e inúmeros outros conflitos.

A segunda década do século 21 está nos trazendo um confronto novo, surprendente e insólito: o da austeridade contra o crescimento. De um lado estão aqueles que defendem a ideia de estimular as economias para -acima de tudo- criar postos de trabalho para os milhões de desempregados da Europa e de outros países com economias estagnadas. O novo presidente da França, François Hollande, é uma das figuras mais representativas dessa nova perspectiva, assim como meu colega de página aos sábados, o Nobel de Economia Paul Krugman.

Do outro lado estão aqueles que batalham pelo retorno à estabilidade econômica, a qual, segundo eles, requer reduzir a diferença entre a arrecadação e os gastos dos governos e o endividamento do setor público. São os defensores da austeridade fiscal, comandados, como sabemos, pela chanceler [primeira-ministra] alemã, Angela Merkel. Mitt Romney e o Partido Republicano dos EUA também estão nesse campo.

Tanto os partidários do crescimento quanto seus rivais defensores da austeridade recentemente receberam apoio de grupos que talvez preferissem não ter como aliados.

Nas recentes eleições gregas, graças ao seu repúdio às medidas de austeridade, a extrema esquerda -que inclui o muito tradicional e agora quase irrelevante Partido Comunista- conquistou sucesso sem precedentes (elegendo 50 deputados), e o mesmo vale para o partido neonazista Aurora Dourada, que deterá 21 cadeiras. É isso mesmo: comunistas e neonazistas unidos no repúdio à austeridade e no apoio ao crescimento a qualquer custo.

Do outro lado, o movimento Tea Party, nos Estados Unidos, iça com entusiasmo e radicalismo semelhantes a bandeira da austeridade -a qualquer custo, e não importam as consequências sociais.
Gianni Riotta, um dos mais lúcidos analistas europeus, me disse que "austeridade e crescimento são os dois únicos partidos que definem a política do mundo ocidental hoje em dia. Esse confronto decidiu a eleição entre Hollande, Sarkozy, Le Pen e Mélenchon, na França, e na Espanha deu a vitória a Rajoy".
"O mesmo tema terá papel decisivo na disputa presidencial entre Barack Obama e Mitt Romney nos Estados Unidos e no confronto entre a chanceler Merkel e seu rival social-democrata na Alemanha. Na Itália, a sucessão de Mario Monti como chefe de governo também dependerá do debate entre austeridade e crescimento", prossegue ele.

Quem teria imaginado que, no século 21, o principal debate do mundo ocidental se reduziria a tomar partido quanto à melhor política monetária, de câmbio e fiscal? É uma vergonha.
 
@ moisesnaim

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