12 de maio de 2012

Reino Unido debate privacidade na internet


Polêmica proposta para coibir crimes on-line prevê acesso a dados de e-mails, Skype e Facebook sem autorização judicial

Governo alega que não terá acesso a conteúdo das mensagens; para críticos, plano afronta garantias fundamentaisRODRIGO RUSSO
DE LONDRES
A fantasia totalitária do escritor George Orwell no livro "1984" está mais próxima de se tornar realidade no Reino Unido, sua terra natal -e de regime democrático.
Recente proposta de lei para monitorar ferramentas da internet e evitar seu uso em crimes cibernéticos e terrorismo causa polêmica no país.
O governo do premiê David Cameron quer que polícia e serviços de inteligência tenham acesso em tempo real a dados de e-mails, de ligações pelo Skype e de mensagens enviadas por Facebook e MSN, sem necessidade de autorização judicial prévia.
Em sua defesa, o governo diz que poderá apenas monitorar dados relativos a "quem, quando e onde" -tempo, data, números e endereços de comunicação. Para o conteúdo das mensagens, seguirá precisando de autorização.
Em discurso nesta semana, a rainha Elizabeth 2ª mencionou a proposta e prometeu "proteção rigorosa" à privacidade dos usuários. Os especialistas, contudo, se mostram céticos a esse respeito.
Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha, diz que essa proteção não basta.
"Grande parte dos governos diz que o processamento dos dados vai ser 'automatizado' e que só 'padrões suspeitos' vão ser examinados detalhadamente. Ironicamente, é exatamente a análise automatizada a maior ameaça à privacidade e às garantias fundamentais", afirma.
O problema, explica Lemos, "não é o governo ler os documentos escritos pelas pessoas, mas justamente ter acesso técnico ao conjunto de documentos escritos por todos e processá-los eletronicamente, estabelecendo relações e extraindo dados".
Desde o mês passado as propostas causam discussão entre o Partido Conservador, do premiê, e os liberais-democratas, do vice-premiê Nick Clegg. Os segundos se manifestam agora com cautela, pois temem que o plano viole a liberdade dos cidadãos.
Evgeny Morozov, pesquisador-visitante da Universidade Stanford e autor de "The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom" (A desilusão da rede: o lado escuro da liberdade na internet), diz à Folha que vivemos "uma era de ouro da vigilância".
"O monitoramento se expande em várias áreas, não só on-line. Portanto, essa proposta não é inesperada, já que os governos não deixariam a internet sozinha, dado o volume de comunicação que acontece nela", afirma.
Morozov faz uma distinção entre a proposta britânica e o livro de Orwell: "Estamos em conjuntura mais delicada do que a que ele discutiu em '1984'; pode não existir um único Grande Irmão, mas há diversos pequenos -alguns deles companhias privadas- a quem o Estado pode recorrer sempre que precisar de determinadas informações".
Frank M. Ahearn, especialista em segurança na rede e autor do livro "How to Disappear" (como desaparecer), diz que a medida não é surpreendente e deve ser adotada também em outros países.
Ahearn não tem certeza se a medida é lesiva à liberdade, já que "as pessoas em nossa sociedade dão informação de outra forma, como Facebook, no MySpace e no LinkedIn".
Lemos explica que, no Brasil, a Constituição assegura o direito à privacidade. Mas, "com exceção de poucos dispositivos legais, essa proteção não é concretizada efetivamente. Para acabar com a situação de insegurança, está tramitando no Congresso o Marco Civil da Internet".

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