14 de maio de 2012

Repetência: meninos de escola pública sofrem mais



Ipea aponta trabalho precoce e falta de estrutura entre principais motivosMarcelle Ribeiro marcelle@sp.oglobo.com.br
SÃO PAULO,O Globo, Maio 14,2012


. Meninos, portadores de necessidades especiais e estudantes de escolas públicas com infraestrutura precária têm mais chances de repetência no ensino fundamental do que os demais alunos. A conclusão é de um estudo dos pesquisadores Luís Felipe Batista de Oliveira e Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Eles analisaram o desempenho de alunos de todo o país por meio de dados dos censos escolares de 2007 a 2010.
Apesar de o motivo dessa probabilidade maior de repetência entre alguns grupos não ter sido objeto da análise, Luís Felipe Oliveira levanta hipóteses que podem ajudar a explicar as tendências apontadas.
- Um dos fatores que talvez ajudem a explicar é que os meninos podem estar entrando no mercado de trabalho mais cedo do que as meninas. E as meninas tendem a levar a escola mais a sério - afirma.
Oliveira acrescenta que a probabilidade maior de reprovação entre alunos de escolas públicas tem a ver com problemas de gestão:
- Faltam recursos e preparo nessas unidades. Os municípios são muito heterogêneos em termos de administração. Em muitas das mais de cinco mil cidades do país, há uma grande dificuldade em termos de qualidade de professores e de infraestrutura da escola. Pode ser um problema de gestão.
De acordo com Oliveira, alunos que estão em escolas com infraestrutura menos adequada tendem a ser reprovados com mais frequência.
- São escolas que não têm acesso a serviços de esgoto e energia elétrica, entre outros. Talvez elas reprovem mais porque sejam ruins e não tenham facilidade de passar o conhecimento - disse.
Reprovação causa trauma nos jovens
Sobre a probabilidade maior de reprovação entre portadores de necessidades especiais, o pesquisador do Ipea acredita que ela se relacione às dificuldades dos professores, que, muitas vezes, não estão preparados e treinados para ensinar crianças que precisam de suporte específico.
Alunos que já foram reprovados uma vez têm mais chances de reprovação em outro momento da vida escolar devido ao trauma da repetência anterior, segundo os especialistas.
- A reprovação afeta a autoestima da criança. Muitas vezes, a família a rotula de burra. Conheço uma mãe que não matriculou de novo na escola o filho que foi reprovado e o colocou para trabalhar - diz a professora Bertha do Valle, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Tufi Soares, coordenador de pesquisas do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, levanta a possibilidade de que os alunos reprovados e de baixa proficiência possam não estar recebendo o cuidado educacional adequado.
- Esses alunos costumam ser destinados a turmas mais complicadas. Os professores, normalmente, preferem trabalhar com os bons alunos - ressalta Soares.
A dona de casa Patrícia Aparecida diz que a filha Alessandra Souza das Chagas, de 15 anos, ficou abalada quando foi reprovada no 4 ano do ensino fundamental. E acrescenta que a jovem reclama do tratamento que recebe na escola pública onde estuda, em São Paulo.
- Acho que ela foi reprovada porque não há empenho dos professores em ensinar. Eles não dão atenção aos alunos. Minha filha mostra interesse, mas os professores pegam no pé dela. As pessoas a xingam, dizem que ela é burra, e ela acaba se irritando.
Jonathan Anderson de Souza, de 15 anos, foi reprovado duas vezes na escola pública em que estuda, em São Bernardo do Campo. A primeira vez, por faltas, no 7 ano; a segunda, por desempenho, no 8.
- Eu me senti humilhado. Todo mundo zombava de mim. Não sou um aluno exemplar, mas quero aprender algo. Quando chegou o final do ano, quis me recuperar, mas não me deram atenção. Eu era ignorado - afirma Jonathan.
Apesar de outras análises feitas em âmbito regional terem apontado algumas das tendências constatadas na pesquisa do Ipea, muitos especialistas não acham necessário criar políticas específicas para reduzir a repetência nos grupos onde a reprovação é mais provável.
- Precisamos de medidas globais. Quem é o culpado pela repetência? A corda sempre arrebenta do lado mais frágil, o aluno. Mas os professores também são responsabilizados. A reprovação tem a ver com a forma como a escola está estruturada e com os investimentos em educação. A qualidade desse ensino é muito ruim. Não temos uma escola que favoreça o processo de aprendizagem e seja capaz de ensinar - analisa Márcia Aparecida Jacomini, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O índice de repetência escolar médio no ensino fundamental no Brasil, que, segundo o Ministério da Educação, foi de 10,3% em 2010, vem diminuindo nos últimos anos - era de 12,1% em 2007, mas ainda é considerado alto. Segundo a Unesco, em 2008, a taxa de repetência dos alunos do 1 ano no Brasil foi de 24,5%, uma das maiores de América Latina e Caribe.
A professora Maria de Fátima Guerra, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), acredita que, para o país melhorar seus índices de reprovação, é preciso investir também no atendimento individualizado ao aluno, como maneira de compreender quais as dificuldades enfrentadas por ele no processo de aprendizagem.
- Se um aluno foi reprovado duas vezes, tanto os pais quanto a escola têm que refletir e entender por quais dificuldades ele está passando. Uma delas pode ser a organização do tempo de estudo. Muitos estudantes deixam o estudo para a última hora. A escola tem que ensinar o aluno a usar o seu tempo - adverte Maria de Fátima.



Nos colégios públicos estaduais, índice é de 17,2%. No município, taxa caiu, mas ainda é altaSÃO PAULO.
No estado do Rio, a taxa média de reprovação é a quinta maior do país, de 15%, considerando escolas públicas e privadas e todos os anos do ensino fundamental em 2010, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação. A média no país é de 10,3%.
Nos colégios públicos fluminenses, o índice de repetência é de 17,2%, enquanto nas escolas privadas é de 5,2%.
Na rede municipal, que concentra a maior parte das escolas públicas que oferecem ensino fundamental, a taxa de repetência cresceu de 2007 para 2009, mas diminuiu de 2009 para 2010. Segundo o Inep, o índice era de 4,9% em 2007 e saltou para 15,3% dois anos depois. Já em 2010, chegou a 13,2%.
Porém, em 2009, ao menos no caso do município, houve uma mudança na maneira como a educação é organizada. Recém-empossado, o prefeito Eduardo Paes decidiu acabar com a aprovação automática nas séries finais do ensino fundamental. Até o 3º ano desse ciclo, porém, o aluno não pode ser reprovado, pois a secretaria entende que cada aluno tem um ritmo diferente de alfabetização.
As mudanças nas regras de aprovação, segundo a secretaria, explicam as variações dos índices de repetência. Segundo a prefeitura, do Rio, o índice de repetência escolar no ensino fundamental em 2011 foi de 10,3%. O município mede os índices de repetência de forma diferente do Inep, sem contabilizar a evasão escolar, e, por isso, tem taxas um pouco maiores que a do MEC.
Porém, a Secretaria municipal de Educação admite que ainda enfrenta o problema do analfabetismo funcional, que atingia 13,8% dos alunos do 4º, 5º e 6º anos em 2009.
- Em 2011, 6,5% dos alunos desses três anos eram analfabetos funcionais. Não conseguimos um sucesso de 100% na alfabetização, mas temos obtido bons resultados - afirma a secretária municipal de Educação, Claudia Costin.
O estudo de Luís Felipe Oliveira e Sergei Soares, do Inep, destaca que São Paulo é um dos estados em que a repetência é menor no país. Considerando as escolas públicas e privadas, a taxa de reprovação em 2010 era de 4,9%. Isso se deve ao fato de as escolas públicas paulistas adotarem o sistema de ciclos, "chegando a configurar verdadeira política de progressão automática", diz a pesquisa.
Tanto a rede pública municipal da capital paulista quanto a estadual dividem os anos de escola em ciclos, e a reprovação só pode ocorrer em determinadas séries, desde a década de 1990. E as duas têm sistemas de recuperação para alunos com deficiências de aprendizagem.
A Secretaria estadual de São Paulo, porém, sentiu a necessidade de melhorar o sistema de progressão continuada e criou em 2012 novos modelos de recuperação. Agora, os alunos com dificuldades contam com professor extra na sala durante o horário normal de aula. E também foram criadas turmas especiais, com até 20 alunos, em que há atividades específicas para correção das defasagens.

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