05 de dezembro de 2012 | 2h 10
SEAN W. BURGES, CANADENSE - É PESQUISADOR SÊNIOR DO CENTRO NACIONAL DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS DA UNIVERSIDADE NACIONAL DA AUSTRÁLIA. - O Estado de S.Paulo
Como vários outros países do mundo, o Brasil tenta, a duras penas, fazer frente às exportações chinesas. O Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) organizou sua quarta conferência anual em São Paulo com o intuito de formular respostas a esse desafio. Algumas histórias interessantes foram relatadas, mas não muitas novas ideias foram apresentadas. O mais preocupante, porém, é que pareceu haver pouco reconhecimento dos sutis sinais de alerta de que a China vem manobrando o Brasil para uma posição subordinada, transformando-o num Estado vassalo.
O embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang, usou uma mistura de recados oblíquos e antigas estratégias imperiais para sublinhar discretamente as posições relativas de poder dos dois países e os limites às aspirações brasileiras quanto à relação bilateral. Jinzhang falou deliberadamente em mandarim, não no português que esperaríamos de um embaixador num importante global player como o Brasil. Para ser generoso, é possível que seu português - uma língua que se sabe de difícil domínio para os chineses - não estivesse à altura de apresentação pública tão importante. Então por que não usar uma segunda língua comum, como o inglês, que é o idioma internacional dos negócios e da diplomacia? A mensagem era clara: vocês têm de vir até nós e se adaptar aos nossos modos e prioridades.
Pequenas alusões ao fato de que o ator predominante na relação bilateral é a China foram acompanhadas de advertências sutis aos industriais brasileiros que se queixam das importações chinesas e pedem a Brasília a adoção de mais medidas protecionistas. Jinzhang contou a história de um vilarejo chinês que, como o Brasil, era uma comunidade predominantemente agrária. Com muito trabalho e inovação, o vilarejo transformou-se numa potência industrial e agora contribui com pouco mais de 2% das exportações chinesas. Ainda que transmitida com gentileza, a lição às lideranças empresariais brasileiras foi muito simples: não reduziremos o ritmo de nossas exportações, cabe a vocês inovar e competir conosco. Mais arrepiante para a liderança do agronegócio do Brasil, Jinzhang também observou que a principal meta do novo governo em Pequim é garantir a segurança alimentar e o objetivo último, neste caso, é a autossuficiência.
Um aspecto implícito no discurso de encerramento proferido pelo presidente da CEBC, o embaixador Sergio Amaral, foi uma réplica ao desafio chinês. Infelizmente, a proposta de Amaral, que sugeriu revigorar as iniciativas de integração econômica da América Latina a fim de criar um mercado interno mais amplo e estabelecer um patamar comum de tarifas altas para excluir produtos chineses, é uma ideia antiga que não deu certo. Mais ainda, a proposta é um delírio que ignora por completo que Chile, Peru, Colômbia e México se reuniram para formar a Aliança do Pacífico justamente com a ideia de se voltarem para o oeste e olhar para a China, e não a leste, para o Brasil.
O interessante é que a história de Jingzhang sobre a cidadezinha agrícola chinesa que se transformou graças à inovação aponta um passo adiante para o Brasil, que envolva uma direção muito diversa para sua política externa e maiores, mas produtivas, alterações no pensamento empresarial do País. Há duas diretrizes concretas de ação.
Em primeiro lugar, o Brasil precisa aumentar sua taxa de inovação. O programa Ciência sem Fronteiras ajudará, mas não basta. Lições da experiência chinesa devem ser acrescentadas à receita. A industrialização na China apoiou-se em sucessivas ondas de investimento direto estrangeiro (IDE), que traziam tecnologia e novos processos - as empresas chinesas engajaram-se num amplo processo de colaboração internacional para estimular a inovação. Graças ao Ciência sem Fronteiras as universidades brasileiras já começam a experimentar algo semelhante por meio de um relacionamento ativo com universidades dos EUA, do Reino Unido, do Canadá, da Europa e até com a instituição a que pertenço, a Universidade Nacional da Austrália. As empresas devem seguir essa trilha e procurar parceiros dinâmicos, com os quais novos mercados, produtos e processos possam ser explorados e desenvolvidos. O governo brasileiro poderia contribuir ativamente para isso com programas criativos em instituições como o BNDES ou novas linhas de financiamento do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal.
Em segundo lugar, o Brasil precisa adotar nova abordagem para lidar com a China. Uma opção que não funcionará é a rota que potências intermediárias como Austrália e Canadá usam há muito tempo para administrar as relações bilaterais com os EUA. Não há comunhão de interesses para tornar isso viável com o Bric China. Em vez disso, dever-se-ia dar atenção a uma estratégia sofisticada de "equilíbrio" envolvendo uma parceria com Austrália e Canadá. Por que esses dois países? Ambos são relativamente pequenos e cortejam ativamente o Brasil, o que os torna administráveis. Mais importante ainda, para o impacto disso nas percepções chinesas, é que eles são outros dois grandes exportadores de minerais e alimentos para a China. Com Austrália, Brasil e Canadá - um novo grupo de países ABC - operando de forma independente, a China pode adotar uma estratégia do tipo "dividir para conquistar". O resultado é que as tarifas chinesas deixam entrar matérias-primas de forma mais barata, mas deixam de fora produtos de maior valor agregado em seu mercado. Isso faz dos países ABC celeiros para os consumidores chineses. A ação coletiva pode ser uma maneira de reverter esse processo e forçar concessões de Pequim.
A China será, sem dúvida, um dos principais parceiros econômicos do Brasil até o resto deste século. O perigo é que, se depender de desgastados modelos de integração e de uma abordagem excessivamente individualista no relacionamento com Pequim, o Brasil será rapidamente empurrado de volta a uma posição periférica e passará a funcionar como pouco mais que uma despensa da China.
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