1 de dezembro de 2010

Sustentabilidad, a legitimação de um Novo Valor

Socioeconomia: O mais importante pilar das ciências sociais de nosso tempo afastou a economia
da ética e a sociedade da natureza.

Um convite à derrubada de equívocos fundamentais

Por Ricardo Abramovay  30/11/2010

"Sustentabilidade - A Legitimação de um Novo Valor"

José Eli da Veiga. Senac/SP. 160 páginas, R$ 35,00

Davilym Dourado

José Eli da Veiga: uma proposta de revisão de conceitos e práticas que negam a essência da sustentabilidade

As duas mais conhecidas definições de sustentabilidade são
enfaticamente rejeitadas no novo livro de José Eli da Veiga. Não se
trata, em primeiro lugar, de "alcançar as necessidades do presente,
sem comprometer a capacidade das futuras gerações de alcançar suas
próprias necessidades", conforme preconiza o Relatório Bruntland.
Tampouco o tema pode ser resolvido pela célebre metáfora do tripé,
em que econômico, social e ambiental são analiticamente separados
para se juntarem depois numa espécie de triângulo mítico. Em ambos
os casos fica de fora o essencial: sustentabilidade é um valor e,
portanto, um convite para que se desfaça o mais importante pilar das
ciências sociais de nosso tempo, o que afastou a economia da ética e
a sociedade da natureza.

No que se refere à definição de Bruntland, por exemplo, não é
possível falar genericamente de necessidades, presentes ou futuras,
sem que se discutam os padrões de consumo contemporâneos.
Quanto ao tripé, a sustentabilidade não consiste em fazer mais do
mesmo, mas com um pouco menos de dano ambiental e um pouco
mais de preocupação social. O que está em jogo é o sentido e o

significado, para as sociedades contemporâneas, do objetivo básico
em torno do qual se organizam as políticas e os agentes econômicos:
o crescimento incessante da produção de bens e serviços e sua
medida consagrada, o PIB.

Estudar a sustentabilidade como um valor não retira em nada o
alcance científico do uso desse termo. O primeiro capítulo do livro
apresenta de forma didática as vertentes fundamentais do
pensamento econômico voltado ao tema, sempre com base em
exemplos concretos. Por mais que o progresso técnico (juntamente
com a mobilização social, é claro) tenha contribuído para reduzir a
insustentabilidade de alguns dos mais importantes processos
produtivos atuais, a verdade é que o consumo de materiais, de
energia e as emissões de gases de efeito estufa não cessa de
aumentar: os ganhos de eficiência foram globalmente mais que
contrabalançados pela elevação espetacular do consumo. Assim,
mesmo que não seja possível definir de forma clara e distinta a
sustentabilidade, é possível dizer que a trajetória atual das
sociedades humanas é insustentável.

O segundo capítulo oferece o panorama da agonia da era fóssil. É
equivocado o raciocínio tão frequente de que as soluções
tecnológicas para superá-la estão disponíveis e que só falta vontade
política para que sejam aplicadas. Da mesma forma, a ideia corrente
de que as emissões de gases de efeito estufa originam-se nos países
ricos e que estes convivem cinicamente com seus resultados, jogando
o prejuízo nas costas dos pobres, por meio de políticas
protecionistas, é totalmente míope. A participação dos países
desenvolvidos nas emissões despencou de 85% do total em 1990 para
44% em 2004. E deve ir para um terço em 2012. Isso decorre de um
fator virtuoso, que é o progresso tecnológico. Mas deve-se também ao
fato de que indústrias e atividades intensivas em carbono foram
transferidas para nações emergentes, como China, Índia, África do
Sul e Brasil.

As negociações internacionais em torno da transição para uma
sociedade de baixo carbono mostram-se pateticamente incapazes de
promover avanços. Mas isso não significa paralisia. Dois fatores são
essenciais nesse processo, como se lê no terceiro capítulo do livro.
Por um lado, a dependência de energias fósseis cria um problema de

segurança nacional para os países mais poderosos do mundo, a
começar pelos Estados Unidos e China. Além disso, pode-se dizer que
a fronteira tecnológica e científica da inovação produtiva
contemporânea é movida em grande parte pela urgência da
descarbonização da vida econômica. Isso cria uma espécie de nova
agenda da cooperação internacional, que vai além da transferência
de tecnologia e supõe uma verdadeira partilha dos conhecimentos
necessários a que sejam melhoradas as técnicas produtivas e as
capacidades de preservação dos serviços essenciais dos ecossistemas.

Mas nada disso poderá ser levado adiante se as sociedades
permanecerem dominadas pelo mito de que o crescimento é a
finalidade essencial da própria vida econômica. É o que se discute no
quarto capítulo do livro. Nesse sentido, não é apenas a
sustentabilidade que é um valor: quando Amartya Sen define o
desenvolvimento como o processo permanente de ampliação das
liberdades substantivas dos seres humanos, ele promove uma espécie
de revolução copernicana. A riqueza deixa de ser uma finalidade e
converte-se num meio cujos fins só podem ser alcançados por
discussões
democráticas
de
natureza
ética
e
política.
Sustentabilidade não é continuar cultivando a produção pela
produção, só que de forma esverdeada. É, antes de tudo, submeter,
por meio do debate público, inspirado por valores, a vida econômica
às necessidades sociais e reconhecer os limites dos ecossistemas. A
boa notícia é que não se trata apenas de uma discussão filosófica e,
sim, da posição explicitamente assumida por parcela cada vez mais
expressiva do próprio "mainstream" da ciência econômica.

Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de economia da FEA, coordenador de seu

núcleo de economia socioambiental, orientador do Instituto de Relações Internacionais da USP e

pesquisador do CNPq e da Fapesp.
Valor

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