3 de janeiro de 2012

Ao novo ministro da educação: » JOAQUIM FALCÃO


03 de janeiro de 2012
Educação no Brasil | Correio Braziliense | Opinião | BR

Professor da Fundação Getulio Vargas

O ministro será novo. Mas os problemas não. Aliás, já foi dito que o que distingue uma geração de outra não são apenas os novos problemas. Mas também as novas respostas que cada geração dá aos problemas permanentes da convivência social. No caso, da vida educacional.
Foi dito também que a importância contemporânea da educação nasceu como necessidade da guerra, não da paz. Nasceu da necessidade de bem administrar a guerra, isto é, os exércitos, para vencê-la. Os exércitos, como descreve Von Clausewitz, tinham no passado ótimos generais, grandes estrategistas, mas enfrentavam uma dificuldade.
Como fazer que as ordens emitidas na cúpula chegassem à base, nos soldados" Como fazer que eles obedecessem e fossem eficientes" Soubessem se comportar no campo de batalha. Movimentar-se para onde. Atacar por qual lado. Que arma utilizar. Como usá-la bem. Como escapar. Por onde fugir. Quem proteger. Soldados analfabetos não detinham o conhecimento dos generais. Precisavam ser educados, instruídos, preparados. Assim teria nascido a educação moderna.
A maior evidência dessa tese são os grandes países e as grandes empresas, com seus imensos gastos em recursos humanos, formação, reciclagens para que os funcionários se comportem o mais eficientemente possível nos objetivos que lhes são previamente determinados - aptos a vencer a concorrência e impor-se à nação.
A necessidade de educar para vencer, processo aparentemente racional, quase de mecânica social, enfrentou um problema. Por mais detalhadas e bem cumpridas que fossem, as ordens dos generais eram insuficientes para vencer a guerra. Não podiam ser de tal modo totais e impositivas que anulassem a realidade vivida pelo soldado no campo de batalha, sua intuição, invenção, capacidade de lidar com uma realidade não prevista, sua capacidade de registrar fatos novos, enfrentar surpresas e trazê-las a seu favor.
Na verdade, sempre que se espera o provável, ocorre o inesperado. Esse, senhor ministro, é um dos principais problemas que o senhor terá de enfrentar. Fácil perceber. Basta substituir os generais que ditam as estratégias, ordens e determinações pela impessoal regulamentação estatal com seus registros, portarias, licenças. A regulamentação estatal de hoje é o general da batalha de ontem. É o poder com a ambição de tudo prever, inclusive o inesperado.
Pensemos no ensino superior. Será que ele está sendo adequadamente regulado, capaz de conciliar o provável e previsto com o inesperado e a inovação? Faculdades e universidades dificilmente podem dar passo sem enfrentar uma portaria, um decreto, sujeitar-se à fiscalização. Quase tudo regulado por uma regulamentação que agora, sem deixar de ser do poder estatal, moderniza-se, às vezes perversamente, como sendo uma regulação dos pares. Será assim que a inovação ocorre" Pares quer dizer iguais. Mas o futuro é ímpar. É de quem criar o desigual. Qual a liberdade que os soldados detêm para serem participantes maduros, responsáveis e inovadores e ajudarem a vencer a guerra além de apenas cumprir anodinamente as regras dos múltiplos órgãos regulatórios do Ministério da Educação? O admirável mundo novo da tecnologia da informação, que faz melhor nossa vida, antes de chegar às universidades, proliferou nas garagens, longe de quaisquer regulações. Os jovens inovadores em tecnologia desconhecem o MEC. Não precisam de credenciamentos para inovar. Se assim foi para a informática, assim será para vários outros ramos do conhecimento, como engenharias, direito, educação e tantos outros.
O equilíbrio entre regulamentar e estimular o inesperado é indispensável para vencer a guerra da educação. Converse com gestores de pesquisa e ensino sujeitos às regras do MEC. Não serão poucos a reivindicarem maior espaço e estímulo para o risco da invenção. Basta imaginar que, para obter boa nota no MEC, professores de muitas áreas de ciências sociais são obrigados a publicar em revistas estrangeiras, a partir da pauta e métodos feitos por estrangeiros, em que o desinteresse por nossas experiências ainda prevalece. Esse sistema de pontos é, em várias áreas das ciências sociais, instrumento da submissão colonial intelectual. Vale lembrar o radical Steve Jobs. "Não adianta pesquisa de mercado porque o que quero inventar o mercado ainda desconhece." Senhor ministro, é necessário reequilibrar a suficiente regulamentação estatal e o estímulo ao desregulado para que mais professores e pesquisadores corram o risco de progredir a educação brasileira. Com mais métodos, produtos e processos inesperados. Senhor ministro, por favor, estimule o risco que inova e não a regulamentação que efemeramente tranquiliza. Bom 2012.

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