A aprovação das cotas raciais nas universidades públicas nesta quinta no STF contrasta vivamente com a tendência dentro da suprema corte dos EUA de validar o estatuto anti-imigrantes do estado do Arizona. Aqui se busca inclusão, lá se empenham pela exclusão.
Como pano de fundo, a surpreendente votação da xenófoba Marine Le Pen no primeiro turno das presidenciais francesas e uma trágica efeméride que poucos quiseram lembrar: os 75 anos da destruição de Guernica na Espanha pela aviação nazi-fascista, ensaio para o conflito mais sangrento já vivido pela humanidade.
O fanatismo religioso e a intolerância racial estão na ordem do dia mundial e a maioria do colegiado do Supremo nos dois últimos julgamentos pareceu decidida a enfrentá-los com sabedoria e prudência. No primeiro, avançou-se em direção ao estado laico, no outro tentou-se reparar a mácula da escravidão. Como afirmou o ministro Ricardo Lewandovsky, relator da última pendência, ao reconhecer que as cotas raciais estabelecem um tratamento desigual: o objetivo é a construção da igualdade.
O sistema de inclusão de estudantes negros adotado pela Universidade de Brasília e contestado pelo DEM não é permanente, mas inicia uma drástica reversão que as próximas gerações, no devido momento, saberão matizar e aperfeiçoar. Nem pode ser estendido obrigatoriamente às outras universidades públicas.
A inclinação da suprema corte em Washington favorecendo o cerco aos imigrantes “sem papéis” no Arizona reacende o mais antigo e mais sangrento conflito institucional da república americana -- o poder local insurgindo-se contra o federal -- responsável pela matança da Guerra de Secessão quando os onze estados confederados se levantaram contra a determinação do presidente Lincoln de acabar com a escravidão em todo território dos Estados Unidos.
Esta mesma sanha paroquial, delirante, estúpida e cega levou o então governador de Arkansas em 1958 a rebelar-se contra a política dos direitos civis adotada por Washington e consagrada meio século depois com a entrada de um negro na Casa Branca. A decisão final da suprema corte no caso Arizona versus Estados Unidos só será conhecida em Junho, mas influirá decisivamente no destino dos EUA como paradigma jurídico e como superpotência.
Já o perigo Le Pen não deverá materializar-se no segundo turno das presidenciais marcado para 6 de Maio. A candidata da ultra-direita francesa ficou em terceiro lugar, está fora desta disputa, mas está apostando na derrocada de Sarkozy frente ao socialista Hollande para em junho, nas eleições legislativas, apossar-se do conservadorismo francês empurrando-o para o beco sem saída do radicalismo e do isolacionismo.
A história não se repete, se amplia. Os ingredientes hoje disponíveis são os mesmos daquele 26 de Abril de 1937 quando a aviação da Alemanha hitlerista e da Itália fascista aproveitando a paralisia da Frente Popular liderada pelo socialista Leon Blum, uniram-se para intervir ostensivamente na Guerra Civil espanhola bombardeando a pequena Guernica no país basco – a primeira experiência de aniquilação aérea de uma cidade.
Começava o capítulo da guerra total, absoluta, sem linhas de frente, imortalizado pelos pincéis de Pablo Picasso no famoso mural. Impossível imaginar que o preconceito, o autoritarismo e a prepotência – aparentemente inofensivos, meros tiques psicológicos – pudessem levar a humanidade a afogar-se no banho de sangue que se seguiu.
A decisão do STF não procura apenas apagar diferenças e corrigir uma injustiça que se arrasta há 512 anos. Ela empurra a civilização brasileira para longe da brutalidade. Mais: ela nos compromete com a causa da tolerância e da paz. ///
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