12 de junho de 2013

ELIO GASPARI O futuro do jornalismo estava na Gávea


Notícia gosta de repórter, vai do Havaí a Hong Kong e pousa no Rio, mas a imprensa precisa gostar dela
A ventania reformadora dos meios de comunicação voltou ao Brasil da pior e da melhor maneira. Cortaram-se vagas e poderão ser extintos títulos que fizeram história. Esse é o aspecto fim do mundo. Há o outro, do mundo novo. De sua casa na Gávea, o jornalista Glenn Greenwald explodiu um dos grandes segredos do governo americano jogando o companheiro Obama no fosso da falta de credibilidade. Ele grampeia o mundo, inclusive seus cidadãos.
Nunca na história deste país notícia tão importante saiu daqui, muito menos da Gávea. A imprensa americana tem dezenas de repórteres especializados em segurança nacional. A maioria trabalha em Washington, com bons salários e incríveis fontes. Os mais afortunados vão todo ano ao jantar dos correspondentes da Casa Branca, com direito a tapete vermelho e a acompanhantes famosas. Pois foram batidos por um repórter que, desde 2007, trabalha no Rio. Depois de passar pelo site "Salon", Greenwald está no jornal inglês "The Guardian". Seu principal instrumento de trabalho é o computador.
Em 1969, Daniel Ellsberg, um analista do Departamento de Defesa Americano, desencantou-se com a política de seu governo no Vietnã e começou a copiar 47 volumes de um relatório secreto. Ralou meses dormindo pouco e gastou o equivalente a US$ 20 mil. Ofereceu-os a dois senadores e nenhum deles quis se meter na encrenca. Cinco meses depois, convenceu um repórter do "New York Times" a entrar no caso. O jornal levou mais três meses para digerir o material e, em junho de 1971, surgiram os inesquecíveis "Pentagon Papers". Em 2009, o soldado Bradley Manning baixou 750 mil telegramas secretos do governo americano em CDs de canções de Lady Gaga. Num só, em alguns minutos, caberiam cinco cópias dos "Pentagon Papers". Ele mandou o material para o site Wikileaks e deu no que deu.
Da Gávea, Greenwald recebeu as informações mandadas por um técnico da National Security Agency que trabalhava para a Booz Allen Hamilton. Sabia-se que a NSA inaugurará em outubro uma central de dados no deserto de Utah com capacidade para armazenar dez vezes tudo o que há na internet. A denúncia de que Obama grampeia o mundo veio de Edward Snowden. Ele tem 29 anos, vivia no Havaí, foi para Hong Kong e de lá remeteu as informações. Valeu-se de Greenwald porque respeita seu trabalho no "Guardian", jornal centenário, com uma tiragem de 200 mil exemplares e um site grátis.
Seu prestígio vem da qualidade de seus repórteres e do discernimento de seus editores. O que Greenwald fez foi buscar notícia e, graças à internet, recebeu-a, na Gávea. A internet não ameaça o jornalismo. Pelo contrário, facilita-o, desde que o repórter saiba o que deve procurar, faça-se respeitar por quem tem o que ele busca e haja nas Redações o entendimento de que notícia ajuda, não atrapalha a rotina de uma edição.
As duas maiores notícias do século ("a guerra acabou" e "Kennedy está morto") foram divulgadas contrariando as convenções jornalísticas. A rendição alemã estava embargada e o repórter que a pôs no ar foi punido. A morte do presidente foi anunciada sem que a informação fosse confirmada e, obviamente, foi desautorizada pela Casa Branca. Sacrossanta internet, a notícia sai do Havaí, passa por Hong Kong e pousa na Gávea.
Folha de S.Paulo, 12/6/2013

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