Plano Nacional de Educação traz bem-vinda lista de metas a serem cumpridas até 2024, mas alguns obstáculos não são removidos
É difícil discordar das metas do Plano Nacional de Educação, o PNE, aprovado na semana passada pelo Congresso. Tão difícil quanto imaginar que essa longa carta de intenções possa ser implementada em todas as suas frentes.
Trata-se de uma lei de metas, para não dizer "Constituição dos desejos", que, infelizmente, não cuida de alguns dos principais empecilhos à melhoria da educação e aos próprios objetivos do PNE.
Primeiro obstáculo, o sistema de ensino no Brasil é notoriamente ineficiente, da escola pública à elite do ensino privado: reprova, exclui, atrasa os estudantes, sai-se mal nos exames comparativos.
Segundo, não há instituições capazes de melhorar o essencial --a qualidade das aulas e da formação-- nem regras e incentivos para o progresso e para o talento.
O PNE é um plano de expansão de tudo, em todos os níveis de ensino, em termos de matrículas, extensão do dia letivo, salários, qualificação de professores e financiamento. As metas estabelecidas devem ser cumpridas em prazos que expiram de 2016 a 2024.
Estipula-se, por exemplo, que a despesa pública nacional com educação passe dos atuais 6% do PIB para 7% em 2019 --um objetivo razoável-- e para 10% em 2024.
Não há, a rigor, exigência do cumprimento de metas, mas elas serão medidas pelo Ministério da Educação a cada biênio. Inexistem, no mais, definições de fontes de recursos ou divisão de responsabilidades financeiras entre União, Estados e municípios.
Dada a escassez de recursos financeiros, administrativos, técnicos e humanos, além de medidas de eficiência, são questionáveis a viabilidade, a racionalidade e o sentido social de tentar implementar as vastas ambições do PNE.
O sistema atual apresenta precariedades primordiais, como administração educacional nula ou politizada, de secretarias a diretorias de escola, em diversas cidades e Estados do país.
Tampouco há currículos e metas de aprendizado claramente definidos para todo o Brasil, sem o que mal se pode aferir a eficácia do ensino. As avaliações existentes têm poucas consequências; se por mais não fosse, porque não há uma carreira nacional de professores e gestores, que assim não podem ser promovidos por mérito.
Verdade que o documento trata da necessidade dessa carreira e, de modo vago, da melhora da administração do ensino. Mas essas reformas são uma prioridade, uma condição prévia de sucesso de qualquer plano de metas. O PNE, contudo, não escalona prioridades.
Sem dúvida é preciso avançar num piso de salários para professores de modo a atrair vocações mais qualificadas e, tão importante, promovê-las na carreira. Uma reforma (a salarial) não pode vir sem a outra (a da promoção por mérito, incluindo bônus variável por desempenho), ou as verbas adicionais serão um desperdício.
Elevar a remuneração de milhões de professores do ensino básico, atrair uma nova geração docente e engajar a antiga na reforma é tarefa árdua.
Criar condições para que as crianças mais pobres cheguem ao ensino fundamental em condições assemelhadas às das classes mais ricas é imperativo pedagógico e de equidade social.
Evitar que mais da metade das crianças do terceiro ano não saiba ler a contento, como se verifica hoje, é missão imediata.
Enfim, formar adequadamente no ensino fundamental é condição para levar metade dos jovens de 15 a 17 anos ao ensino médio, no qual hoje não estão.
O trabalho para reformar a base da educação, como se vê, é imenso. Não será surpresa se revelar-se contraproducente a tentativa de executá-lo ao mesmo tempo em que se procura pós-graduar metade dos professores do ensino básico (que, aliás, são poucos para tantas disciplinas e antes precisariam, em muitos casos, de requalificação) ou ampliar de modo ambicioso o ensino superior.
As inépcias visíveis --da simples incapacidade de organização de provas nacionais à desordem na gestão de universidades, da lenta melhora das notas em testes de desempenho ao absenteísmo-- levantam no mínimo a suspeita de que faltam meios para implementar os desejos do PNE. Falta uma reforma institucional.
De resto, no que diz respeito a recursos materiais, as metas finais do Plano Nacional de Educação se mostram descoladas da realidade.
Dadas as evidentes carências em outras áreas, a alta compulsória de gastos previdenciários e a penúria fiscal prevista para o próximo governo, um aumento das despesas em educação para além dos 7% do PIB vai se tornar um entrave ao próprio crescimento do país --e, sem isso, não serão criados recursos para nenhum programa social.
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