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Embolada com a Copa e as férias de julho, salpicada com o tempero da disputa eleitoral de 2014, a greve que reverbera nas universidades estaduais paulistas tem tudo para dar errado. Mas reflete um quadro de mal-estar, deve ser levada a sério e ser bem compreendida.
Há uma cortina de silêncio turvando o cenário universitário paulista. Não se ouvem vozes políticas e poucas vozes acadêmicas se posicionam. Os sindicatos das categorias falam o de sempre e, mesmo assim, sotto voce. A impressão é que a greve não produzirá impacto na rotina universitária, ainda que haja paralisações em várias unidades e a belicosidade esteja configurada. Ela ajuda a quebrar mais um pouco as pernas das instituições, pois atua de costas para o futuro.
A graduação é onde o estado de greve prolifera. Está em processo de desvalorização há anos, condicionada pela confusão geracional prevalecente entre os jovens, pelo desinteresse dos professores, pela falta de renovação dos currículos e das estratégicas pedagógicas, pelo crescimento desordenado e sem planejamento. Desagrada e preocupa a todos. Não foi por acaso que a Unesp, pioneiramente, elegeu 2014 como Ano da Graduação Inovadora, decisão que merece ser aplaudida e aprofundada. Está aí, em boa medida, o calcanhar de Aquiles da universidade atual.
A greve virou rotina na graduação. Não incomoda. Na melhor das hipóteses, inflama. Seus efeitos são somente deletérios: desorganiza ainda mais os cursos, desanima os estudantes, atrapalha a formação e o estudo, prolonga o caos e a desagregação nas unidades de ensino, embaralha calendários e cronogramas. Em nome da luta sindical, greves tornaram-se parte da paisagem. Por isso os mais "revoltados" optam por táticas de ocupação de salas de aula e diretorias, ações que invariavelmente se fazem acompanhar de alguma depredação, às vezes de algum confronto com a polícia; o resultado é mais desertificação e desesperança.
Em artigo conjunto publicado em 18/6 (Autonomia, impactos e compromissos), os reitores das três universidades estaduais defenderam a autonomia de gestão financeira com vinculação orçamentária, seu papel estratégico na progressiva qualificação das universidades paulistas e o retorno que os investimentos realizados têm dado à sociedade. Reforçaram a ideia de universidade pública e ajudaram a esfriar o entusiasmo dos que usam a crise atual para propor o fim do ensino gratuito.
Os três reitores disseram coisas importantes, mas não disseram o mais importante. Há um ponto solto no ar: como é que se chegou à situação atual? O diagnóstico indica que o naufrágio financeiro da USP está a arrastar consigo a Unesp e a Unicamp. Deve ser assim? Cada instituição também não é autônoma perante as demais? Como explicar o fracasso? Não basta que se acusem gestões anteriores, pois erros e falhas também derivam de uma modalidade de gestão.
Membros ativos do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais (Cruesp), os dirigentes deveriam esclarecer as funções desse organismo. O que tem feito ele para que haja em São Paulo uma efetiva política de ensino superior? A sensação prevalecente é que o Cruesp funciona como plataforma para a viabilização da autonomia orçamentária, mas não como base política, gerencial e doutrinária para ações conjuntas da USP, da Unesp e da Unicamp. É uma via de passagem, não de coordenação. Não discute, por exemplo, o sistema de ensino superior que faria mais sentido no Estado de São Paulo. As três instituições devem seguir a mesma trilha ou cada uma deve buscar sua própria especificidade, sua vocação e identidade? Não poderiam compartilhar e dividir entre si a excelência internacional, a formação científica e o ensino mais profissionalizante? Como fazer para que o mantra da "internacionalização" - que hoje só serve para acirrar a competição entre as universidades - seja traduzido como fator que impulsione a circulação de conhecimentos, professores e pesquisadores?
O Cruesp deveria ser o epicentro de uma discussão substantiva. Limitado a cuidar da autonomia e a entrar em cena nos meses de greve e dissídios trabalhistas, torna-se subalterno. Seu reposicionamento no momento atual ajudaria bastante.
Os reitores também não disseram qual o tamanho da crise e o que pode ser feito para superá-la. Trata-se de um vento passageiro, a ser debelado com procedimentos cosméticos, ou estamos diante de um tsunami que exigirá decisões complexas e somente será vencido se houver coesão interna, paciência e destemor? Até agora, adotaram-se medidas amargas; é preciso dar um passo à frente.
O silêncio dos reitores preocupa, mas não é o principal problema. Ele é amplificado pelo silêncio dos sindicatos e dos núcleos de poder acadêmico (departamentos, congregações, conselhos universitários, diretorias). Os sindicalistas acreditam que não há crise, que os indicadores têm sido maquiados, que o governo "neoliberal" de São Paulo não repassa verbas e que o certo é usar a reserva financeira para aumentar salários. Professores e colegiados, submetidos passivamente à pauta sindical, não aceitam que se suspendam concursos e contratações, vitais para que se mantenha a qualidade do ensino e da pesquisa. Ninguém se dispõe a ceder. Fala-se superficialmente que políticas de privatização e sucateamento estariam a ser praticadas, que os salários são baixos e as condições de trabalham deixam a desejar, mas nada se ouve de propositivo. Os estudantes vão a reboque, nem sequer aparecem.
Se os reitores não falam, se a comunidade acadêmica não toma posição e se os sindicatos se limitam a palavras de ordem e a reivindicações pontuais, a situação tende a estagnar e a ir piorando pouco a pouco. A falta de interlocução e de diálogo interno deixa a universidade à deriva. A greve acabará, mas o mal-estar permanecerá, a corroer o que todos juram defender e valorizar.
MARCO AURÉLIO NOGUEIRA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E DIRETOR DO INSTITUTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNESP
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